STF retira da pauta processo sobre marco temporal das terras indígenas

JOTA.Info 2022-06-02

O Supremo Tribunal Federal (STF) retirou da pauta do dia 23 de junho a continuação do julgamento que discute o marco temporal para demarcação de terras indígenas. O julgamento do recurso iniciou-se em setembro do ano passado e foi paralisado pelo pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. Até a interrupção o placar estava empatado em 1 a 1. Não há nova data para o julgamento.

A retirada do julgamento de pauta sinaliza que o Supremo está evitando julgar temas mais sensíveis, especialmente de interesses de setores estratégicos para o governo, como o agronegócio. O processo também é visto com preocupação por militares, e uma decisão do Supremo neste momento poderia criar novos embaraços entre Forças Armadas e Judiciário.

Além do agronegócio, a definição sobre o marco temporal para a demarcação das terras indígenas interessa entidades de proteção aos direitos indígenas, de proteção ao meio ambiente e estados. Atualmente 82 processos com temática similar estão sobrestados aguardando a decisão deste recurso em repercussão geral.

De acordo com a tese do marco temporal, somente as áreas ocupadas ou reivindicadas pelos povos nativos até a promulgação da Constituição de 1988 poderão ser considerados territórios indígenas. O relator da ação no Supremo, ministro Edson Fachin, votou contra a tese do marco temporal — e a favor dos interesses dos indígenas — no ano passado. Já o ministro Kassio Nunes Marques abriu divergência e votou a favor da tese — e, consequentemente, dos interesses do agronegócio, dos militares e do governo Jair Bolsonaro, os quais não querem mais demarcações.

O marco temporal foi debatido em 2009 pelo Supremo. Na ocasião, os ministros analisavam a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, em disputa desde a década de setenta. Foi com base na tese que os magistrados decidiram a favor dos indígenas, ao dizer que tinham direito ao espaço porque já estavam ali antes da promulgação da Constituição.

Na ocasião ficou estabelecido que esse entendimento sobre o marco temporal só valeria para aquele território. Ainda assim a decisão acabou abrindo um precedente para outros julgamentos. Em 2013, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) confirmou uma decisão da Justiça de Santa Catarina de 2009, que autorizou a reintegração de posse de uma área localizada em parte da reserva indígena Ibirama-Laklãnõ, onde vivem os povos Xokleng, Guarani e Kaingang.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) recorreu da decisão e ela foi parar no Supremo, onde ganhou status de repercussão geral.

A Constituição não determina uma data específica de ocupação a ser considerada nas demarcações. De acordo com o artigo 231, “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

Paralelamente ao julgamento no Supremo tramita na Câmara dos Deputados o PL 490/2007, que insere na legislação a tese do marco temporal, proíbe a ampliação de terras já demarcadas, flexibiliza o contato com os povos indígenas isolados e passa a permitir a exploração econômica de terras indígenas por parte de mineradoras e garimpeiros.

O projeto já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça em julho do ano passado, mas enfrenta uma forte resistência de organizações da sociedade civil e ainda não foi a plenário.