Estados podem cobrar adicional de alíquota de ICMS após a LC 194/22?

JOTA.Info 2022-07-18

LC 194/22 alterou o Código Tributário Nacional (CTN) e a Lei Kandir para considerar os combustíveis, o gás natural, a energia elétrica, as comunicações e o transporte coletivo como bens e serviços essenciais. Com isso, passou a ser vedada a fixação de alíquotas de ICMS sobre as referidas operações em patamar superior ao da alíquota praticada para as operações em geral, tendo em vista a essencialidade desses bens e serviços.

Após a publicação da lei, os estados passaram a incorporar as mudanças nas suas respectivas legislações, de modo que, a depender da unidade da federação, a alíquota do ICMS não pode ultrapassar o teto estadual. A medida é, certamente, uma grande vitória para os contribuintes e representa um passo importante no aperfeiçoamento do nosso sistema tributário, sabidamente caracterizado por sua regressividade[1].

Não obstante, um aspecto relacionado a este assunto ainda merece reflexão. É que alguns estados exigem o pagamento de um adicional de até 2% na alíquota de ICMS, com fundamento no art. 82, §1º do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), segundo o qual “poderá ser criado adicional de até dois pontos percentuais na alíquota do Impostos sobre Circulação de Mercadorias e Serviços — ICMS, sobre os produtos e serviços supérfluos”. O montante arrecadado é destinado aos Fundos de Combate à Pobreza.

Entretanto, considerando a redução das alíquotas de ICMS, poderiam tais bens e operações, considerados essenciais, sofrerem o acréscimo da alíquota do imposto, superando, na prática, a carga tributária prevista para as operações em geral, conforme determinação trazida pela LC 194/22?

Antes de avançarmos na questão, vejamos como alguns estados internalizaram as mudanças trazidas pela LC 194/22.

O estado de Alagoas publicou o Decreto nº 83.840/22 com previsão expressa de que não serão aplicadas alíquotas de ICMS sobre as operações com combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo em patamar superior ao das operações em geral. Em relação ao adicional de ICMS, a nova legislação manteve sua aplicabilidade até 31 de dezembro de 2023[2]. Rondônia, por sua vez, fixou a alíquota de 17,5% por meio do Decreto nº 5.364/22 e afirmou que a disposição se aplica, inclusive, ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza de Rondônia[3]. Minas Gerais e Pará foram totalmente omissos, prevendo, por meio do Decreto nº 48.456/22 e do Decreto nº 2.476/22, respectivamente, apenas que as alíquotas sobre os bens e serviços essenciais seria de 18% e 17%.

Já o estado do Paraná, por meio do Boletim Informativo nº 005/22, estabeleceu a alíquota de 18% e deixou claro que em relação às operações por ele relatadas não deve incidir o adicional do fundo.

Com os exemplos acima, pretendemos demonstrar que não há um posicionamento uniforme dos entes federados a respeito do adicional de ICMS após a publicação da Lei Complementar nº 194/22: há aqueles que foram omissos quanto à exigência ou suspenderam a cobrança expressamente, além de alguns que se manifestaram de forma pouco clara a seu respeito. Essa realidade gera dúvidas aos contribuintes quanto à interpretação da norma, trazendo prejuízo à segurança jurídica e ao recolhimento tempestivo do tributo.

Em nossa opinião, o adicional de ICMS nada mais é do que o próprio imposto, assim como o adicional de 10% de IRPJ sobre a parcela do lucro que exceder R$ 20 mil por mês (art. 3º, §1º, da Lei 9.249/95) é imposto de renda. A afirmativa parece óbvia, mas a natureza jurídica do adicional do imposto estadual já foi objeto de controvérsias, existindo posicionamento quanto à sua caracterização enquanto contribuição especial.

O entendimento, no entanto, é equivocado, pois os estados apenas têm competência para criar contribuição para custeio de regime próprio de previdência social cobrada de seus servidores, conforme art. 149, §1º do texto constitucional. Além disso, a própria redação do art. 82, §1º, do ADCT revela que o adicional representa um mero incremento da alíquota, verdadeira exceção ao princípio da não-afetação (art. 167, IV, da Constituição Federal), uma vez que os recursos arrecadados devem ser destinados a um fundo com a finalidade específica de combater a pobreza.

Nessa linha, o adicional do imposto deve seguir as mesmas regras previstas para o ICMS. Desse modo, uma vez determinada a impossibilidade de superação da alíquota praticada para as operações em geral no caso de bens e serviços essenciais, a soma da alíquota e do adicional não pode ultrapassar esse limite. Em outras palavras, sendo o percentual máximo do estado 17% ou 18%, por exemplo, ou a alíquota originária deve ser reduzida para a cobrança do adicional ou este não pode mais ser cobrado.

Voltemos aos exemplos acima apontados. Alagoas afirma que o adicional deve ser aplicado até 31 de dezembro de 2023, mas não deixa claro se ele deve ser somado à alíquota do estado ou se pode ser considerada sua inclusão na alíquota geral. Em Rondônia, a redação do Decreto nº 5.364/22 leva a crer que o adicional está “dentro” da alíquota de 17,5%, mas a redação causa dúvida ao intérprete.

Já o Paraná foi expresso em considerar que as cobranças não podem mais ser realizadas, posicionamento acertado, pois eventual exigência do adicional configura descumprimento da lei complementar e do entendimento do Supremo Tribunal Federal fixado em sede de repercussão geral quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 714.139. Afinal, se a alíquota máxima for desrespeitada, a cobrança do adicional representaria uma alíquota efetiva superior ao patamar estabelecido pelo legislador complementar.

Importante destacar que, bem antes do julgamento do Tema 745, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) já havia declarado a inconstitucionalidade da alíquota de 25% sobre energia elétrica com fundamento no princípio da seletividade. No entanto, o posicionamento consolidado do órgão considera que deve ser aplicada a alíquota genérica, acrescida do adicional relativo ao Fundo de Combate à Pobreza[4].

Um segundo aspecto também deve ser comentado: o ADCT autoriza a cobrança do adicional apenas sobre bens supérfluos e nas condições definidas na lei complementar, não sendo possível, portanto, a cobrança sobre bens e serviços essenciais. Nesse contexto, temos que a LC 194/22 deixou claro que “os combustíveis, o gás natural, a energia elétrica, as comunicações e o transporte coletivo são considerados bens e serviços essenciais e indispensáveis, que não podem ser tratados como supérfluos”.

No que diz respeito à competência concorrente, conforme disposto no art. 24 da Constituição Federal, cabe à União estabelecer as normas gerais sobre Direito Tributário, sendo que tal possibilidade não exclui a competência suplementar dos estados. Ademais, inexistindo lei federal sobre normas gerais, as unidades federadas podem exercer competência legislativa plena, mas quando a lei federal for promulgada, a eficácia das leis estaduais fica suspensa no que lhe for contrário.

Diante dessas disposições constitucionais, entendemos que as legislações estaduais que preveem o adicional e consideram os combustíveis, o gás natural, a energia elétrica, as comunicações e o transporte coletivo como supérfluos têm sua eficácia suspensa, porquanto manifestamente contrárias à LC 194/22.

Assim, ainda que o combate à pobreza seja uma causa legítima e um dos objetivos da República Federativa do Brasil, eventual pretensão de manutenção dessas cobranças pelos estados é inconstitucional e ilegal.


[1] O sistema tributário brasileiro é fundado na tributação indireta, incidente sobre o consumo de bens e serviços. Este modelo é notoriamente regressivo por atingir de forma mais severa a população de baixa renda, cujos rendimentos são destinados ao consumo de bens para a subsistência.

[2] Art. 1° Nos termos da Lei Complementar Federal nº 194, de 23 de junho de 2022, para fins da incidência do Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, sobre as operações com os combustíveis, o gás natural, a energia elétrica, as comunicações e o transporte coletivo, não serão aplicadas alíquotas sobre as operações referidas em patamar superior ao das operações em geral.

Parágrafo único. Até 31 de dezembro de 2023, sobre as operações a que se refere o caput deste artigo, deve ser aplicado, conforme o caso, os adicionais de alíquotas previstos no art. 2º e no art. 2º-A da Lei Estadual nº 6.558, de 30 de dezembro de 2004, que instituiu o Fundo Estadual de Combate e Erradicação de Pobreza – FCOEP.

[3] Art. 1° Sobre as operações e prestações internas relacionadas nos itens 7, 10, 11 e 12 da alínea “d”, na alínea “e”, nos itens 2 e 5 da alínea “f” e na alínea “j”, todos do inciso I do art. 27 da Lei Estadual n° 688, de 27 de dezembro de 1996, incidirá a alíquota de 17,5% (dezessete inteiros e cinco décimos por cento), em conformidade com as disposições da Lei Complementar Federal n° 194, de 23 de junho de 2022, que, ao modificar o Código Tributário Nacional – CTN e a Lei Complementar n° 87, de 13 de setembro de 1996, – Lei Kandir, considerou como bens e serviços essenciais a energia elétrica, os combustíveis e os serviços de comunicação e de transporte coletivo. Parágrafo único. O disposto no caput aplica-se, inclusive, ao Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza de Rondônia – FECOEP/RO, no que tange ao item 12 da alínea “d” do art. 27 da Lei Estadual n° 688, de 1996.

[4] Confira-se, exemplificativamente, o Agravo Interno na Apelação Cível nº 0244715-63.2008.8.19.0001 e o Agravo Interno na Apelação Cível 0226541-69.2009.8.19.0001.