Quais os reflexos de uma lei para o rol da ANS?

JOTA.Info 2022-08-25

A aprovação pelo Senado na próxima semana do projeto que trata do rol da ANS é praticamente certa, na avaliação de atores envolvidos no debate do PL 2033/2022. Às vésperas das eleições e diante da pressão de grupos de consumidores, principalmente nas redes sociais, poucos serão os senadores que terão coragem de divergir de um debate polarizado. 

Quem sugerir, por exemplo, o adiamento da votação ou aprofundar as discussões corre o risco de ficar taxado como contrário ao direito dos pacientes.

Quais os reflexos da aprovação? Para associações ligadas a pacientes, o texto trará de volta uma garantia que foi retirada com o julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a definição da extensão do rol, uma lista preparada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) com procedimentos e terapias que operadoras são obrigadas a oferecer a seus clientes.

Na decisão de junho, ministros da corte decidiram que as empresas estariam desobrigadas a cobrir remédios ou tratamentos que não constassem de tal relação. A regra, no entanto, previa algumas exceções, consideradas insuficientes para grupos de pacientes. Para o grupo, uma lei com o texto já aprovado na Câmara garante acesso a tratamentos considerados indispensáveis para a saúde e o bem-estar de pacientes.

Na audiência no Senado realizada nesta semana, representantes da saúde suplementar avaliaram que os reflexos são outros. Para eles, uma vez aprovada, a lei colocaria em risco o setor. Ao garantir a totalidade de tratamentos e terapias para pacientes recomendados por médicos e dentistas, os custos dos contratos aumentariam de forma expressiva. Muitos consumidores deixariam os planos e o SUS ficaria sobrecarregado.

Outro argumento: o tema continuaria a ser discutido na Justiça. O que, em última análise, levaria também a um descompasso. O acesso à Justiça é desigual no país. E neste raciocínio, somente os economicamente mais favorecidos poderiam ter garantido na Justiça um direito questionado pelas operadoras.

A professora de direito da PUC-SP Maria Stella Gregori disse ao JOTA considerar importante a criação de uma lei para regular o tema. Ela discorda das operadoras e afasta o risco de judicialização. Diz exatamente o contrário. “Positivar é sempre benéfico, porque isso diminui a judicialização. Uma lei formulada da forma correta deve ser cumprida.”

Durante a audiência pública realizada pelo Senado na última terça-feira (23), no entanto, chamou a atenção de Gregori o argumento usado pelo professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Denizar Vianna.

O texto aprovado na Câmara dos Deputados e previsto para ser votado na próxima semana no Senado prevê a obrigação de os planos oferecerem aos clientes o que está previsto no rol da ANS. O texto também lista exceções a essa regra. O tratamento prescrito pelo médico com eficácia comprovada, por exemplo. Nesse caso, a operadora deve garantir o tratamento, mesmo se não estiver no rol. Outra exceção: quando a terapia ou medicamento prescrito pelo médico não constar do rol mas tiver seu uso aprovado na Conitec ou por outro órgão de avaliação de tecnologia de renome internacional.

“O argumento usado pelo professor é que até a aprovação de avaliação de tecnologia observa várias fases, que vai muito além da observação de critérios de  segurança ou eficácia”, disse a professora. Para ela, esse é um elemento fundamental. “Não estamos falando de questões econômicas, mas de segurança do consumidor. O fato de haver um estudo publicado não significa que o tratamento é de fato eficiente.” Como exemplo, Gregori citou o caso da cloroquina. Para ela, a alteração proposta de se exigir as duas condicionantes, como defende a ANS, daria maior segurança ao consumidor.

O presidente da ANS, Paulo Rebello, afirmou em entrevista ao JOTA que “a pequena alteração do texto evitaria, por exemplo, que estudos desenvolvidos com metodologia falha, publicados em uma revista com reputação duvidosa, fossem considerados de oferta obrigatória a pacientes”. Para ele, a forma como o texto foi construído é muito vaga.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, também disse ser contrário à proposta.

Se de fato aprovada como previsto, a mudança provocada pela lei será mais uma das inúmeras em torno do rol da ANS neste ano. Depois de várias reclamações sobre a demora e dificuldade da atualização do rol, uma lei sancionada em março deste ano fixou um prazo máximo para avaliação de pedidos de incorporação de técnicas. Agora, a ANS tem 180 dias, prorrogáveis por mais 90. Uma regra considerada essencial – embora, para alguns observadores, o prazo pudesse ser reduzido.

Houve pouco tempo, no entanto, para avaliar os efeitos desta norma. Diante do resultado do julgamento de junho do STJ, veio a pressão por uma nova lei, com regras mais flexíveis. Sentindo que as propostas poderiam ser aprovadas, a ANS abriu mão de duas limitações, sempre usadas como bandeira pelos movimentos de pacientes: o limite de consultas e o acesso a uma terapia para crianças com transtorno de espectro autista. O terreno, no entanto, já havia sido perdido.

Associações de pacientes, convictas do poder que tinham, não abriram mão de continuar a pressão no Congresso para ver a proposta da nova lei aprovada. O momento era único, sobretudo por causa das eleições.

Ao JOTA, uma especialista em saúde suplementar fez o seguinte resumo. Para ela, ao longo de anos construiu-se a imagem de que empresas e ANS davam pouca importância ao bem-estar dos clientes. Mais ainda: havia resistência em fazer mudanças que significassem custos mais altos. E agora, por mais que tentem, têm dificuldade em inspirar confiança.

Questionado pelo JOTA sobre quais seriam os próximos passos diante de um cenário de aprovação do texto, Queiroga afirmou que o veto presidencial é uma medida excepcional, não pode ser adotada de forma corriqueira. Mas completou afirmando que a condução no Congresso do tema ocorreu sem debate.

A possibilidade de um veto presidencial é algo difícil de se imaginar, também por questões eleitorais. Seja como for, nesse cenário, não será de se estranhar que alternativas de regulação sejam propostas. O fato é que mesmo que o texto seja aprovado, como previsto por vários atores, a discussão em torno do rol da ANS não deve terminar.