O papel das plataformas digitais no combate às fake news nas eleições

JOTA.Info 2022-09-07

A desinformação é um fenômeno que sempre existiu nas relações sociais, mas,    com o advento das plataformas digitais e de novos recursos tecnológicos que passaram a permitir a disseminação de conteúdos em larga escala e ampla influência sobre a opinião pública, o fenômeno ganhou maior atenção, passando a ser conhecido como “fake news”. Isto levou diversos países e organizações ao redor do mundo a buscarem formas de solucionar este problema, principalmente durante os períodos eleitorais.

No Brasil, a principal movimentação legislativa foi o PL 2630/2020, proposto pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), que ficou conhecido como PL das Fake News. O projeto foi aprovado no Senado, mas ainda aguarda a votação na Câmara dos Deputados, instância em que sofreu alterações profundas. A inovação legislativa será votada na forma do substitutivo proposto pelo deputado Orlando Silva (PC do B-SP) — razão pela qual o projeto será devolvido ao Senado, o que, na prática, inviabiliza a sua aprovação final antes das eleições deste ano.

Na União Europeia, por sua vez, em julho de 2022 o Parlamento Europeu aprovou a Lei dos Serviços Digitais (Digital Services Act) e a Lei dos Mercados Digitais (Digital Markets Act), as quais, entre muitas outras disposições, preveem obrigações para as plataformas digitais protegerem os usuários da desinformação e aumentou de maneira significativa a responsabilização das chamadas “big techs” — ou seja, grandes players do mercado de tecnologia, responsáveis por plataformas digitais como Google, Facebook, Instagram, TikTok, entre outras.

É importante dizer que a legislação brasileira não traz uma definição exata sobre o que seria uma “plataforma digital”, o que é até difícil de ser realizado, já que sua pluralidade dificulta a consolidação de uma definição única.

Neste contexto, a desinformação e as ferramentas tecnológicas que favorecem a sua disseminação ganham importância muito grande para nações e empresas, já que este tipo de fenômeno tem um potencial gigantesco para influenciar a opinião pública durante processos eleitorais, como foi visto, para citar alguns exemplos, no caso das eleições presidenciais norte-americanas de 2016, as eleições francesas de 2022 e as eleições presidenciais no Brasil em 2018. A expectativa, no Brasil, é que o problema seja ainda mais evidente neste próximo período eleitoral.

Em decorrência disto, houve, no começo deste ano, uma movimentação no Brasil por parte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para buscar combater a desinformação e garantir um processo eleitoral saudável, elemento essencial para o bom funcionamento de uma nação democrática. Em fevereiro de 2022, o TSE formalizou acordos com os representantes das plataformas digitais Twitter, TikTok, Facebook/Instagram, WhatsApp, Google, YouTube e Kwai com o objetivo de combater a disseminação de desinformação no processo eleitoral.

Nos acordos firmados, diante das diferenças entre as plataformas digitais, foram estabelecidas disposições diferentes em cada um dos acordos, adequadas à natureza e às funcionalidades da rede social aplicável. Por exemplo, o acordo com a Meta — responsável pelo Instagram, Facebook e WhatsApp — prevê que o TSE possa divulgar mensagens relevantes acerca da organização das eleições no feed de notícias dos brasileiros, nos dias de votação. Já no acordo com o Twitter, há a previsão da disponibilização de avisos de busca para auxiliar os usuários a encontrarem informações confiáveis e oficiais relacionadas ao processo eleitoral.

Desta forma, quais seriam as lições que as plataformas digitais — especialmente aquelas que permitem contato direto ou indireto entre usuários, promovem a publicação de notícias ou favorecem a disseminação de informações e opiniões — que não firmaram acordos com o TSE poderiam implementar para garantir um ambiente saudável em relação às eleições e até mesmo oferecer aos usuários uma experiência satisfatória, sempre respeitando a liberdade de expressão e a democracia.

Elencamos abaixo algumas medidas que podem ser aplicadas pela plataforma digital para mitigar os riscos de se tornar um terreno fértil para fake news, levando em consideração os acordos acima mencionados e as disposições da legislação brasileira aplicável — como o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014).

  1. Implementação de procedimentos: a depender da natureza da plataforma digital, a organização responsável pode estruturar e implementar procedimentos relacionados à checagem de informações, ao recebimento de denúncias e à remoção de conteúdos, sempre considerando a liberdade de expressão, a preservação dos valores democráticos, o respeito ao princípio da dignidade humana e atendendo às disposições da legislação eleitoral e do Marco Civil da Internet.
  2. Publicação ou atualização dos temos de uso da plataforma digital: usualmente, os termos de uso das plataformas digitais são documentos em que os usuários têm acesso a seus direitos e deveres, da mesma forma que tomam ciência das responsabilidades da plataforma digital. Além de estabelecer regras e procedimentos, é importante que estas informações estejam disponíveis de maneira facilitada aos usuários. Além disso, é essencial que o usuário compreenda a sua responsabilidade pelos conteúdos por ele compartilhados.
  3. Criação de canais de contato com os usuários e organizações: outra forma de combater as fake news é disponibilizar canais e meios de contato para que os usuários e organizações possam reportar ocorrências relacionadas a desinformação, em especial, ao processo eleitoral. A plataforma deve estar preparada para receber tais denúncias de forma ágil, principalmente devido à rápida disseminação das notícias falsas.
  4. Nomeação de uma equipe interna: esta é uma medida interessante a ser adotada, já que este grupo será uma ponte de contato entre a plataforma digital e todos os envolvidos no processo eleitoral. Ademais, tal time também poderá ser responsável por sanar as demandas internas da própria organização. É importante que esta equipe esteja atualizada sobre a legislação e sobre o posicionamento do TSE e que conheça profundamente os processos internos da organização e da plataforma digital.
  5. Informação a diretórios municipais, estaduais e nacionais de partidos políticos sobre os procedimentos adotados pela plataforma digital: dependendo do número de usuários, volume e natureza das informações compartilhadas pelo uso da plataforma digital, assim como as práticas e procedimentos adotados, é importante que a plataforma digital, com o intuito de garantir a transparência, entre em contato com diretórios municipais, estaduais e nacionais de partidos políticos a fim de informá-los sobre o funcionamento da plataforma em relação à desinformação e pontos relacionados ao período eleitoral.
  6. Divulgação dos canais do TSE e informações importantes: a inserção nas plataformas digitais de links e ‘botões’ de acesso facilitado para as páginas do TSE — especialmente para canais de denúncia sobre irregularidades no período eleitoral — bem como republicar, de maneira voluntária, postagens do TSE sobre o processo eleitoral e informações relevantes aos eleitores/cidadãos, é uma medida que, além de trazer segurança aos usuários, demonstra o comprometimento da organização com o combate à desinformação e com a transparência.
  7. Divulgação das agências de checagem de informações: com a possibilidade de interação entre usuários e a disseminação de informações e opiniões, é importante que as plataformas digitais realizem a indicação de agências de checagem, como a Agência Lupa ou a Aos Fatos, o que garantirá aos usuários uma maior confiabilidade das informações que esses consomem, além de favorecer um ambiente seguro.

Por fim, os acordos do TSE com os representantes das plataformas digitais citadas anteriormente não vinculam outras plataformas. Entretanto, dentro de um cenário de inovação tecnológica, onde as relações entre os usuários mudam de maneira muito acelerada, é de suma importância que as demais empresas busquem fornecer aos seus usuários um ambiente seguro e que empenhem esforços em combater a disseminação da desinformação, como uma medida não só para garantir um ambiente seguro, mas também favorecer o fortalecimento da democracia nas plataformas digitais.