Como o mercado e o agronegócio podem colaborar ainda mais com o planeta

JOTA.Info 2022-10-05

O mundo como o conhecemos já não existe mais. Essa frase, muito falada, ouvida, escrita e lida nos tempos atuais, reflete os novos caminhos que a humanidade vem trilhando. Hábitos e costumes que moldaram a sociedade nos tempos de nossos avós e pais foram sendo modificadas e, hoje, já não mais refletem a realidade de nossos tempos. No agronegócio, não poderia ser diferente.

A atividade agropecuária, intimamente ligada à natureza e à conservação dos recursos naturais, é forçada a se adaptar aos anseios da sociedade. Vinculados à legislação mais restritiva e protetiva do mundo em questões ambientais, os produtores rurais brasileiros, que histórica e majoritariamente preservam o meio ambiente (apesar das exceções e do embate de natureza política, os números indicam que a preservação dos recursos naturais no país é exemplo para o mundo), são agora pautados pelas novas demandas dos consumidores e do mercado.

As atuais demandas, baseadas nos princípios do Environmental, Social and Corporate Governance (ESG), transitam por rigorosas políticas de preservação do meio ambiente, do solo, das águas, da fauna e da flora; na adoção de planos de inclusão, diversidade e equidade no ambiente de trabalho e seu entorno; na implementação de medidas que visem o bem-estar e o respeito ao animal em todas as etapas de criação, abate e comercialização; na instituição de políticas transparentes de condução ética e consciente dos negócios; entre muitos outros tópicos que hoje pautam a abertura e manutenção de mercados e o crescimento dos negócios e das margens, visando a perenidade dos negócios em um mundo que muda de maneira frenética.

Nesse contexto, em que conceitos de gestão, governança e condução dos negócios sofreram importantes mudanças, algumas medidas em âmbito normativo vêm contribuindo para que determinados comportamentos sejam induzidos na sociedade ou, ao menos, para que haja incentivo para a adoção de certas posturas. Uma das mais interessantes e promissoras medidas nesse sentido, que afeta e beneficia diretamente o agronegócio, é a criação da Cédula de Produto Rural relacionada às atividades de recuperação e conservação de florestas e seus biomas, a denominada “CPR Verde”.

A CPR Verde foi instituída pelo Decreto 10.828/2021, editado pelo Poder Executivo Federal com fundamento nas disposições do artigo 1º, parágrafo 2º, inciso II, da Lei 8.929/1994, conforme alterações promovidas pela Lei 14.421/2022, conhecida como Lei do Agro 2. Trata-se, em síntese, de um título negociado nos mercados financeiro e de capitais, que demanda certificação independente e especializada, o qual representa a promessa de entrega futura de produto agropecuário ou, alternativamente, seu valor em dinheiro. Especificamente em relação à CPR Verde, essa cédula pode ter como objeto a entrega de produtos oriundos de atividades relacionadas à preservação ambiental, como as atividades de reflorestamento, manejo florestal e manutenção de florestas nativas, ou a liquidação financeira dessa promessa.

A instituição da CPR Verde vem em um momento de conjunção de fatores que favorecem sua criação ou, simplesmente, adequam as condições de mercado aos novos rumos da sociedade. Importante mencionar que todas as emissões de CPR Verde devem estar atreladas a projetos que resultem em redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), manutenção ou aumento de estoque de carbono florestal, redução do desmatamento e da degradação de vegetação nativa, conservação da biodiversidade, conservação dos recursos hídricos, conservação do solo ou outros benefícios ecossistêmicos.

O mais interessante da CPR Verde é que esse título, de livre negociação, pode representar a promessa de entrega futura de produto intimamente relacionado tanto à atividade agropecuária quanto à preservação ambiental, como as questões inerentes às emissões de carbono. Percebe-se, assim, que há uma rara situação de ganho mútuo, tanto para o produtor que emite a CPR Verde, que será devidamente remunerado por isso sem que tenha que fazer grandes esforços ou substanciais modificações de sua estrutura de produção, quanto para a sociedade e o meio ambiente, pois haverá um título emitido que garante a preservação dos mananciais, da fauna, da flora e das áreas de florestas.

Verifica-se, portanto, que a CPR Verde, instituída por decreto com base legal que induz comportamentos na sociedade, favorece amplamente a preservação ambiental, vez que possibilita a manutenção das florestas e todo o seu rico ecossistema mediante estímulos financeiros que beneficiam diretamente o produtor rural e, indiretamente, toda a sociedade, pois estabelece como contrapartida à remuneração a manutenção dos biomas e das matas. Indiretamente, também, a CPR Verde beneficia todo o setor do agronegócio nacional, pois demonstra ao mundo que o Brasil, afora sua já tradicional verve preservacionista, está cada vez mais comprometido com a preservação e manutenção de suas florestas e biomas. Essa postura não apenas reforça o compromisso nacional com a preservação ambiental, como ajuda a, com argumentos e fatos, derrubar mitos e falácias sobre o cuidado do brasileiro, em especial o produtor rural, com as florestas e o meio ambiente.

Vale destacar, também, que conforme as emissões de CPR Verde forem ganhando corpo no Brasil, é natural que essa forma privada de financiamento da atividade agropecuária responsável contribuirá de maneira significativa para o atingimento das metas e ideais ESG no setor do agronegócio no país. Com estímulos normativos e financeiros para a preservação do ecossistema e das nossas florestas, haverá um ambiente mais propício para a agropecuária nacional e para a abertura de novos mercados no mundo, manutenção das exigentes regras de comércio e de mercado e indução ao atendimento dos anseios de uma sociedade muito mais atenta aos impactos ambientais no planeta — em outros termos, o estímulo à preservação pode gerar excelentes negócios para os produtores brasileiros e ótimos resultados para a balança comercial do país.

Ademais, a CPR Verde tem tudo para favorecer o desenvolvimento contínuo dos mercados financeiro e de capitais nacionais, assim como pode elevar a outro patamar a quantidade, a sofisticação e as oportunidades de financiamento privado da atividade rural no Brasil, tão ainda dependente de estímulos e capital de origem pública. O agronegócio, apesar de representar aproximadamente 25% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade de São Paulo (USP), ainda, no geral, está muito ligado aos estímulos e programas de financiamento estatais, assim como é ainda avesso ao mercado de capitais, de forma que a CPR Verde, em conjunto com outros instrumentos de financiamento, como o Fiagro, pode não só aproximar o campo da Faria Lima/Leblon como, também, abrir novos horizontes de financiamento privado do setor e destravar valor e oportunidades para o agronegócio e para os mercados financeiro e de capitais brasileiros.

Assim, percebe-se que simples modificações normativas podem resultar em grandes alterações, para melhor, dos rumos da produção agropecuária no Brasil, do desenvolvimento do mercado nacional e, principalmente, da preservação ambiental em nosso território, com impactos diretos sobre o clima do país e do mundo e em perfeita sintonia com alguns dos anseios mais prementes da sociedade em relação às balizas ESG, tão em voga no momento. Esse alinhamento de expectativas gera benefícios para todos e estabelece novos marcos para a mulher e o homem do campo, para os agentes do mercado e para toda a sociedade.