Tributação de crédito de carbono
JOTA.Info 2022-10-06
Cada vez mais a sociedade clama pela responsabilidade socioambiental das empresas e o consumo consciente passou a estar mais presente na vida do cidadão comum. Os investidores nacionais e internacionais passaram a fazer coro à demanda social de forma a exigir que as empresas adotem práticas Environment, Social and Governance (ESG) para que sejam aptas a receber os seus recursos financeiros.
Não é por outra razão que o mundo corporativo, acertadamente, deixa de encarar medidas de preservação e proteção ao meio ambiente, por exemplo, como despesas desvinculadas à atividade empresarial e aos seus resultados, passando a qualificá-las como despesas extremamente “usuais”, “necessárias” e “relevantes” à sobrevivência de qualquer empresa.
A partir de tal qualificação destas despesas, as empresas podem promover a sua dedutibilidade para fins de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e o creditamento do PIS/Cofins.
Neste cenário internacional, que se insere o desenvolvimento do mercado de créditos de carbono, cujos pilares de um mercado cap-and-trade foram estabelecidos durante a Conferência de Kyoto, em 1997.
Naquela oportunidade, definiu-se que os países desenvolvidos listados no Anexo I do Protocolo de Kyoto teriam que observar certo limite de emissão de gases de efeito estufa (GEE). A diminuição de emissão de GEE na atmosfera gera os certificados de redução de emissão, ou como comumente chamados créditos de carbono, que podem ser comercializados globalmente.
Com o objetivo de atingirem as suas metas de redução de emissão de GEE, países desenvolvidos permitem que empresas adquiram créditos de carbono emitidos por empresas localizadas em países em desenvolvimento. Daí surge a oportunidade para o Brasil.
O Brasil não está entre os países listados no Anexo I do Protocolo de Kyoto e, até o momento, não há legislação que crie um mercado regulado em que se estabelece critérios e limites para emissão de GEE. O PL 528/2021 segue em tramitação no Congresso Nacional.
No entanto, com a edição do Decreto Federal nº 11.075 em 19 de maio de 2022, restam previstos procedimentos iniciais para elaboração dos planos setoriais de mudanças climáticas e a criação de sistema nacional de redução de emissão de gases de efeito estufa (Sinare) que garantirá base única, confiável e comparável — indispensável para o crescimento deste mercado no país. É um começo!
Em paralelo, vê-se um crescente aumento de operações de compra e venda de crédito de carbono no chamado mercado voluntário, onde empresas estabelecem metas e compromissos de redução de GEE, desvinculados de qualquer obrigação legal.
Em razão do desenvolvimento desse novo mercado desprovido de regras jurídicas específicas, recai sobre o intérprete do Direito o desafio do enquadramento legal da natureza jurídica das operações e da definição de suas repercussões legais e tributárias.
Nessa linha, muito se tem debatido acerca da natureza jurídica do crédito de carbono, seja como valores mobiliários, seja como ativo intangível ou, ainda, como serviços ambientais.
Em 2009, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já se manifestou sobre o tema afastando o enquadramento do crédito de carbono como valor mobiliário, com base nos dados existentes até aquela data.
Já o Código Florestal de 2012 definiu o crédito de carbono como sendo “título de direito sobre bem intangível e incorpóreo transacionável” e concedeu competência ao Poder Executivo federal para “instituir programa de apoio e incentivo à conservação do meio ambiente (…) abrangendo pagamento ou incentivo a serviços ambientais como retribuição, monetária ou não, às atividades de conservação e melhoria dos ecossistemas e que gerem serviços ambientais, tais como, o sequestro, a conservação, a manutenção e o aumento do estoque e a diminuição do fluxo de carbono”.
Na sequência, a Circular Bacen nº 3.690, de 2013, incluiu entre os chamados “serviços ambientais” o sequestro e diminuição de carbono/direito de emissão.
Em 2021, a Lei 14.119, que institui a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, definiu “serviços ambientais” como “atividades individuais ou coletivas que favorecem a manutenção, a recuperação ou a melhoria dos serviços ecossistêmicos” cuja “compensação [estaria] vinculada a certificado de redução de emissões por desmatamento e degradação”.
Por fim, o recém editado Decreto 11.075/22 define crédito de carbono como “ativo financeiro, ambiental, transferível e representativo de redução ou remoção de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente, que tenha sido reconhecido e emitido como crédito no mercado regulado ou voluntário.”
A despeito de toda a celeuma jurídica existente sobre o tema, parece acertada a definição trazida pelo Decreto 11.075/22 no que tange à natureza jurídica do crédito de carbono como ativo.
Em que pese o referido decreto não ter especificado ser o crédito de carbono um ativo tangível ou intangível, por representar bem desprovido de materialidade física concreta, a sua natureza de intangível parece natural. O pronunciamento técnico CPC[1] 04, que traz o conceito de ativo intangível a ser observado pela contabilidade, vem a auxiliar esse entendimento.
Neste sentido, também se manifestou a Receita Federal por meio da solução de consulta DISIT nº 192 e 193 SSRF06/2009 ao se posicionar pela aplicação da margem presumida de 32% sobre os valores recebidos pela pessoa jurídica optante da sistemática de lucro presumido para fins de IRPJ e CSLL em razão da cessão de crédito de carbono a pessoa jurídica residente no exterior.
Por não se tratar de prestação de serviço nem tampouco fornecimento de mercadoria, a cessão de crédito de carbono ocorrida no mercado regulado ou voluntário não deve se sujeitar à incidência de Imposto Sobre Serviços (ISS) e ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). No entanto, pelo fato de “cessão de direito” constar na lista dos serviços tributáveis pelo ISS[2], não se pode afastar por completo a pretensão municipal.
Por outro lado, a receita decorrente da venda de crédito de carbono para pessoa jurídica brasileira sujeitar-se-á a incidência do imposto de renda, contribuição social sobre o lucro líquido e, a depender da pessoa jurídica adquirente e da forma de contabilização (ativo circulante ou não-circulante), ao PIS/Cofins[3].
No entanto, se adotado o entendimento de que em realidade o crédito de carbono representa um serviço ambiental, com base na Lei 11.119/2021 e na Circular Bacen nº 3.690/2013, a tributação poderá ser ainda agravada pelo ISS e, em caso de importação, pelo PIS/Cofins Importação.
A questão ganha ainda maior complexidade quando se pretende enquadrar a operação de cessão de crédito de carbono para fins de aplicação dos tratados internacionais para evitar a bitributação.
Portanto, a segurança jurídica quanto à natureza do crédito de carbono e das consequências tributárias decorrentes da transação envolvendo tais créditos, seja no mercado regulado, seja no mercado voluntário, é de suma importância para garantir o desenvolvimento deste novo mercado tão promissor para o Brasil.
Os membros do Congresso Nacional não podem desperdiçar a oportunidade de criar um mercado regulado de crédito de carbono no Brasil e sanar as omissões e contradições existentes no ordenamento jurídico pátrio quanto à sua tributação.
[1] Comitê de Pronunciamento Contábeis.
[2] Lista anexa a Lei Complementar 116/03.
[3] Inciso II, §3º, Art. 1º da Lei nº 10.833/03 e inciso VI, §3º, Art. 1º da Lei nº 10.637/02.