TCU e a transferência de concessão para empresa estatal

JOTA.Info 2022-10-13

Iniciativa privada é sinônimo de perversão? Bryan Caplan, no livro “O mito do eleitor racional” (leitura recomendada para os dias atuais), aponta como um dos vícios em escolhas eleitorais o “viés antimercado”. Trata-se da desconfiança quanto à possibilidade de que empresas, na busca por lucro, produzam efeitos sociais positivos. O risco é que eventual restrição do espaço da iniciativa privada acabe gerando prejuízos aos próprios interesses gerais. 

Para além do campo eleitoral, a ideia de viés antimercado é aplicável a diversas instâncias de decisões públicas, abarcando de gestores a controladores. É o que pode ter ocorrido em recente decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) envolvendo a concessão da BR-163/MT. 

Segundo o TCU, a concessionária da BR-163/MT encontrava-se em “frágil condição de sustentabilidade financeira, com descumprimentos contratuais e processos de caducidade e de relicitação já abertos”. A rodovia apresentava “nível de serviço abaixo do previsto, prejudicando diretamente seus usuários”. Tentativa de transferência da concessão havia fracassado, “possivelmente pela ausência de investidores interessados” 

A concessionária propôs à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) a transferência de seu controle acionário e a celebração de termo de ajustamento de conduta (TAC), com “condições que buscam solucionar as causas de frustração das negociações anteriores, buscando trazer maior sustentabilidade financeira para o projeto”. 

O controle seria transferido à MT Participações e Projetos S.A., sociedade de economia mista do Mato Grosso, que investiria R$ 1,2 bilhão. O TAC previa a celebração de aditivos contratuais com relevantes impactos no equilíbrio econômico-financeiro, como a ampliação do prazo da concessão. 

O TCU, provocado pelas partes a analisar a proposta, manifestou-se favoravelmente à operação: “demonstrado que o interesse público é atendido de forma mais eficiente com a continuidade da concessão [em vez da caducidade ou relicitação] (…), a solução negocial proposta (…) mostra-se jurídica e proporcional”. 

Contudo, segundo o relator, a operação só seria possível por envolver dois entes públicos (ANTT e MT Participações). Isso porque, “considerando o interesse público que rege a atuação de ambas as partes do ajuste, (…) algumas disposições podem ser excepcionalmente adotadas a fim de permitir a solução que melhor atende ao interesse da coletividade”. 

Ficam algumas dúvidas. 

Por que operação semelhante, com a transferência da concessão a empresa privada (caso houvesse algum interessado no mercado), não atenderia ao interesse da coletividade? A natureza (pública ou privada) do agente interessado em assumir a concessão é critério suficiente para definir se a manutenção do contrato é ou não a melhor solução? Quais características da transferência envolvendo a BR-163/MT qualificam este negócio como caso-limite? 

“Operações salvamento” de concessões de fato não podem se transformar em fraude à lei. Mas a participação de empresas privadas em situações como a do caso aqui abordado pode eventualmente contribuir para a consecução dos interesses gerais. Escolhas públicas devem ser pautadas em evidências, e não em vieses.