O que um governo Lula-Alckmin significa para as mulheres?
JOTA.Info 2022-11-10
Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), foi o vencedor das eleições presidenciais brasileiras em 30 de outubro de 2022. O governo eleito e seu partido agora se preocupam com o desafio de concretizar a alternância de poder. As evidências mostram que nos quatro anos do governo Bolsonaro, houve uma desaceleração importante e até reversão de décadas de progresso em direção à equidade de gênero.
Como escrevemos nesta coluna, as eleitoras foram decisivas para derrotar Jair Bolsonaro – agora o primeiro presidente a perder reeleição desde a redemocratização. Durante a campanha eleitoral, a grande maioria das mulheres indicavam intenção de votar em Lula para presidente. A rejeição das mulheres a Bolsonaro se iniciou antes mesmo de sua primeira campanha para presidente do Brasil. Em 2018, elas foram decisivas com o movimento #EleNão.
Ao longo dos quatros anos, as mulheres continuaram a manifestar sua desaprovação ao governo Bolsonaro nas pesquisas de opinião pública. Na reta final da recente campanha, grandes lideranças como Simone Tebet e Marina Silva foram decisivas em apoiar a construção da frente ampla que trouxe votos de eleitores que permaneciam indecisos em quem apoiar no segundo turno.
Há vários motivos pelos quais as mulheres rejeitaram a permanência do governo Bolsonaro no poder. A crise gerada pela falta de coordenação efetiva da pandemia no Brasil e a crise econômica marcada por aumentos na inflação e quedas na renda média geraram retrocessos importantes nos avanços logrados pelas mulheres no mercado de trabalho. De acordo com dados recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres continuam sendo, em 2022, a maioria dos desempregados do país. Porém, a taxa de desemprego não capta a saída do mercado de trabalho das mulheres que tiveram que atender demandas domésticas de cuidados de seus lares durante a pandemia e que deixaram de procurar emprego.
A participação das mulheres no mercado de trabalho em 2019 foi a maior dos últimos anos (47%), despencando para 39% no último trimestre de 2020, durante a pandemia. Desde então, as taxas de ocupação têm mostrado tímido crescimento. Em 2022, as mulheres são a maioria dos formalmente desempregados no país. O desemprego segue maior entre as mulheres negras e pardas. De acordo com o IBGE, dos 12 milhões de desempregados, 6,5 milhões são mulheres. A taxa de desocupação dos homens está em 9%, enquanto a das mulheres é de 13,9%. As que conseguem trabalho tendem a receber salários menores que os homens.
Os retrocessos do governo Bolsonaro se somam às desigualdades e preconceitos históricos e persistentes que sofrem as mulheres no mercado de trabalho e na sociedade brasileira em geral. Esses retrocessos são visíveis na política brasileira ou mesmo nos recentes planos de governo dos candidatos a presidente e governadores dos estados. Neles não se percebe nenhuma sinalização ou compromisso com esta parcela importante do eleitorado brasileiro. O tema merece ser melhor discutido pela sociedade para quebrar barreiras que permanecem isolando e marginalizando as mulheres das posições de poder no país.
Desde a redemocratização, o Brasil teve apenas Zélia Maria Cardoso de Mello como ministra da Economia, Fazenda e Planejamento, durante o governo Collor, e ela ficou no cargo somente 420 dias. Desde então, nunca houve uma ministra da Fazenda. Na área de Planejamento, apenas Miriam Belchior liderou o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff. Ela não somente foi a primeira mulher a ocupar este cargo, como também foi a primeira a ocupar o cargo durante o mandato inteiro. Em seus respectivos períodos, esses ministérios eram considerados importantes pelos seus respectivos mandatários.
O Brasil nunca teve uma mulher ocupando a pasta da Saúde nas três décadas desde a redemocratização. Durante o último governo, Bolsonaro escolheu para a função quatro homens, entre eles um sem nenhuma experiência no setor. Esse fato é ainda mais chocante considerando que as mulheres representam mais de 70% da força de trabalho neste setor da economia. Ao nível municipal e estadual, acompanhamos durante a pandemia da Covid-19 a gestão importante realizada por mulheres nas Secretarias de Saúde do Rio Grande do Sul, de Araraquara (SP) e de São Caetano do Sul (SP). Estes, entre outros exemplos, indicam o potencial de liderança das mulheres à frente da área da saúde.
Para apoiar a chapa Lula-Alckmin, a senadora Simone Tebet articulou um compromisso dos candidatos com relação a cotas para mulheres na composição de um possível governo. Esse tipo de demanda vem ganhando cada vez mais importância. Na eleição presidencial de 2020 nos Estados Unidos, o presidente eleito Joe Biden enfatizou a importância e o compromisso com a construção de um governo com uma maior participação feminina. Essa promessa se concretizou com a nomeação de Kamala Harris como sua vice-presidente, e continuou com a sua escolha do gabinete inclusive em postos importantes. Biden nomeou Janet Yellen e Avril Haines, as primeiras mulheres a ocupar o cargo de secretária do Tesouro e diretora de Inteligência Nacional, respectivamente.
A nível internacional, o Brasil está em uma posição de desvantagem em termos de paridade de gênero. De acordo com os dados do relatório do Índice de Paridade de Gênero Global de 2022 do Fórum Econômico Mundial, o país ocupa a 94ª posição no ranking geral de paridade de gênero entre os 146 países estudados. Em termos de participação econômica e oportunidades, o Brasil está na 85ª posição. E, em termos de empoderamento político, o Brasil está na 104ª posição. O baixo número de brasileiras nos altos cargos políticos explica essa posição. Nas eleições de 2022, dos 513 deputados federais eleitos apenas 91 são mulheres (18%). Já no Senado, as mulheres irão ocupar somente 10% das cadeiras em 2023. Percentuais muito abaixo da média global de 26%.
Como evidencia o relatório da UN Women, em apenas 14 países as mulheres ocupam 50% das cadeiras ministeriais. Como ministras, a maioria ocupa pastas relacionadas a família/crianças/jovens/idosos/deficientes; assuntos sociais; meio ambiente/recursos naturais/energia; emprego/trabalho/formação profissional e assuntos femininos/igualdade de gênero.
Tal padrão é observado no governo Bolsonaro. Em 2019, Bolsonaro nomeou 22 ministros. Apenas 2 dos 22 ministérios (9% do total) foram ocupados por mulheres – a pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos por Damares Alves e a pasta da Agricultura por Tereza Cristina. Na equipe de transição do governo Bolsonaro, as mulheres eram apenas 16,2% dos nomeados (35 mulheres e 181 homens). E, das 18 áreas temáticas da equipe de transição do governo Bolsonaro, apenas 2 foram coordenadas por mulheres – a área de Cidadania, com Tatiana de Alvarenga, e a área de Mulher, Família e Direitos Humanos, com Damares.
Dadas as promessas de campanha, a expectativa é que o governo Lula irá nomear mais mulheres para ocupar as cadeiras ministeriais. Entretanto, até o momento, o governo Lula-Alckmin nomeou 17 membros para fazer parte da equipe de transição e, desse grupo, somente 3 são mulheres. As mulheres podem e devem assumir cargos executivos importantes em governos de diferentes orientações ideológicas. Nesse sentido, parece existir uma oportunidade histórica no Brasil de o próximo governo ser contemplado com a liderança e o trabalho de valiosas mulheres da sociedade brasileira. Uma maior presença de mulheres em futuros governos pode aumentar a eficácia dos mesmos e reduzir desigualdades econômicas e sociais que perduram em nossa sociedade.