Lula, Biden, COP 27 e o alinhamento dos astros
JOTA.Info 2022-11-15
No Brasil e no mundo, as crises climática e energética se impõem, entrelaçadas entre desastres socioambientais sem precedentes, guerras e conflitos migratórios. Junto a essas crises, formou-se um robusto arcabouço científico que aos poucos faz frente ao imenso lobby negacionista de setores como os de combustíveis fósseis, agricultura predatória e transportes. Eis que, em meio a tudo isso, chegamos à COP 27. As semanas que antecederam a conferência foram chave para o futuro climático das próximas gerações.
O Brasil, detentor da maior floresta tropical do mundo, elegeu presidente da República o candidato que se comprometeu com o fim do desmatamento da Amazônia até 2030 em detrimento do negacionismo climático. A Amazônia, vale lembrar, é um dos nove pilares que controlam o clima do planeta. Além disso, dias após o início da conferência, o Partido Democrata garantiu sua sobrevida no Congresso americano para os últimos dois anos do mandato de Joe Biden, que há poucos meses aprovou o maior pacote de combate às mudanças climáticas jamais visto na história americana.
É nesse contexto de relativo otimismo que Lula tenta se posicionar como líder da pauta climática global. A centralidade do Brasil na pauta ambiental e a relevância do meio ambiente para a geopolítica global ficaram evidentes nas congratulações quase imediatas que Lula recebeu de boa parte dos grandes líderes globais, que mencionaram a importância do Brasil no combate às mudanças climáticas nos desejos de sucesso ao Presidente eleito.
Logo após sua vitória, Lula foi convidado a ir à COP 27 pelo presidente do Egito, anfitrião da primeira COP no continente africano e que se propôs a colocar as compensações por danos ambientais no centro do debate, além de garantir a transferência de recursos para mitigação e adaptação, que estão bem aquém dos valores prometidos no Acordo de Paris, de US$ 100 bilhões por ano.
Lula foi tenaz ao entender que o forte apoio internacional que receberá ao restaurar a proteção ambiental no Brasil lhe servirá de contrapeso à ferrenha oposição interna que enfrentará no Congresso e em outros setores mais conservadores da sociedade brasileira. Naturalmente, houve internamente um realinhamento com setores do movimento ambientalista que abandonaram o PT no segundo governo Lula pela prevalência de uma visão desenvolvimentista retrógrada que defendia hidrelétricas na Amazônia sem considerar os óbvios custos socioambientais.
O retorno de Marina Silva como um dos principais cabos eleitorais da campanha de Lula espelha bem essa transformação. Ao colocar o meio ambiente no centro de seu novo governo, junto ao combate à pobreza, Lula se aproxima da nova esquerda latino-americana, com Gustavo Petro, presidente da Colômbia, e Gabriel Boric, presidente do Chile, como expoentes de uma esquerda que trouxe para si o mantra da justiça climática.
Show me the money
Há dois anos, em meio a um debate presidencial acalorado entre Donald Trump e Joe Biden, o candidato democrata prometeu dar US$ 20 bilhões ao Brasil caso o país voltasse a proteger a floresta amazônica e diminuísse o desmatamento ilegal, dando a entender que, caso contrário, poderia impor barreiras comerciais a produtos ligados ao desmatamento. Apesar das ameaças e do aumento do desmatamento durante o governo Bolsonaro, nenhum tipo de barreira comercial foi imposta.
Mais recentemente, em setembro deste ano, o Parlamento Europeu aprovou uma proposta da Comissão Europeia que visa barrar a importação de produtos relacionados ao desmatamento, o que afetará uma série de produtos brasileiros. Os europeus procuraram compensar possíveis barreiras comerciais com financiamento para a proteção ambiental do bioma amazônico – tão logo anunciada a vitória de Lula, os governos de Noruega e Alemanha, principais financiadores do Fundo Amazônia, descongelaram os recursos. Já há propostas para a entrada de outros países no fundo, inclusive os Estados Unidos.
Agora que a postura do novo governo brasileiro mudou 180º, o desafio será traduzir a volta da liderança brasileira na pauta ambiental em um significativo financiamento internacional, seja através de doações ou investimentos em atividades econômicas que garantam a floresta de pé e o desenvolvimento social das comunidades envolvidas. Naturalmente, esses investimentos só virão caso o governo de fato implemente políticas que protejam o meio ambiente e criem um ambiente propício ao desenvolvimento de uma nova economia verde, como defendido pelo climatologista Carlos Nobre.
Ao contrário do que ocorreu nos dois primeiros mandatos de Lula, a maioria dos governadores da Amazônia serão oposicionistas, com uma retórica fortemente pró-extrativismo e anti-ambiental. Dessa forma, o discurso de usar a floresta como refém, condicionando sua proteção a mais recursos do governo federal e da comunidade internacional, continuará. As crescentes restrições orçamentárias e uma possível recessão global nos próximos anos tornará a necessidade de financiamento externo ainda mais central e complexa.
De qualquer forma, a ida dos governadores da Amazônia à COP 27 e a necessidade prática de alinhamento com o governo federal pode facilitar a coordenação de políticas de comando e controle e desenvolvimento sustentável, que foram abandonadas por boa parte dos governadores da Amazônia nos últimos quatro anos, na esteira da política anti-ambiental do governo Bolsonaro.
Grandes expectativas, grandes promessas
A chegada de Lula a Sharm el-Sheikh, balneário às margens do mar Vermelho, é aguardada não só pelo simbolismo da volta do Brasil à governança e diplomacia climática global, mas pelos anúncios e acordos que serão feitos pelo presidente eleito. Espera-se que ele anuncie os principais nomes da pasta ambiental de seu futuro governo, especialmente o Ministério do Meio Ambiente, o novo Ministério dos Povos Originários e a nova agência estatal para monitorar metas de redução de emissão de gases causadores do efeito estufa.
Além dos nomes, existe a expectativa que o novo governo aponte quais medidas concretas tomará nos primeiros 100 dias, como a revogação de decretos e atos administrativos do governo Bolsonaro prejudiciais à proteção ambiental, a demarcação paralisada de terras indígenas e quilombolas, metas para a transição energética e políticas que incentivem práticas agrícolas sustentáveis.
Também será anunciado o acordo entre Brasil, Indonésia e Congo, apelidado de “Opep das florestas”, para coordenar políticas de combate ao desmatamento ilegal e proteção das florestas, além de buscar financiamento internacional para fortalecer tais políticas e pagamentos por serviços ambientais. Ainda que o Brasil tenha se comprometido a zerar o desmatamento ilegal até 2030 durante a COP 26 em Glasgow, a realidade dos números mostra um aumento exponencial do desmatamento nos últimos quatro anos, com um repique especialmente intenso em 2022, já que muitos criminosos estão aproveitando os últimos meses do governo Bolsonaro para pilhar o que puderem enquanto há leniência.
A COP 27 será uma oportunidade única para que Lula atue como chefe de Estado antes mesmo de sua posse. Em um momento em que ele precisa angariar apoio de setores que até então eram oposição, como boa parte do centrão, a pauta da economia verde, com abertura de mercados internacionais, investimentos em agricultura sustentável, pagamentos por serviços ambientais, infraestrutura elétrica e energias renováveis escapa da bolha progressista e será essencial para que se garanta governabilidade e a implementação exitosa de tantas promessas. O sucesso do governo Lula nunca significou tanto para o futuro climático do planeta.