Um balanço das midterms nos EUA
JOTA.Info 2022-11-21
As eleições de meio de mandato (midterm elections) ocorridas no início de novembro nos Estados Unidos surpreenderam muitos analistas políticos. A esperada “onda vermelha” (cor do Partido Republicano) não ocorreu. Muitos acreditavam que os problemas do governo Biden (inflação, Guerra da Ucrânia) levariam a uma derrocada do Partido Democrata no Congresso, com a perda da maioria no Senado e na Câmara.
Os democratas mantiveram os 50 votos no Congresso e possivelmente vão conquistar mais uma cadeira que ainda está em disputa na Geórgia, dispensando assim o voto de minerva da vice-presidente Kamala Harris. Os republicanos, é verdade, conquistaram a maioria na Câmara (House), mas por uma margem estreitíssima. Candidatos do partido a governador dados como favoritos decepcionaram. O quadro ficou muito distante das projeções otimistas do GOP e está longe de transformar Biden em um “pato manco”, como os americanos se referem aos presidentes que perdem poder depois das midterms.
Por que os republicanos fracassaram? As elites mais tradicionais do partido apontam o dedo, com razão, para Donald Trump. O ex-presidente, depois da derrota em 2020 e do seu comportamento controverso em 6 de janeiro de 2021, continuou e continua ativo na política, tendo interferido decisivamente na escolha de candidatos aos Senado e à governadoria em estados importantes. Ao invés de priorizar concorrentes mais moderados, Trump apostou em negacionistas e postulantes de discurso agressivo e raivoso. Eles foram derrotados, rejeitados por conservadores centristas não filiados a partidos políticos (cenário que foi antecipado por esta coluna há três meses).
O maior fracasso da ala trumpista foi a derrota da candidata ao governo do Arizona, Kari Lake, uma popular ex-apresentadora de TV, negacionista, vista como uma sucessora de Trump, que apostou todas as fichas nela. Além disso, os democratas também conquistaram a cadeira no Senado em disputa nesse estado tradicionalmente conservador e agora, pela primeira vez desde 1950, o partido detém o controle do governo estadual e as duas vagas senatoriais. Esse pleito claramente sinaliza que o negacionismo eleitoral não conta com a simpatia da maior parte dos americanos.
Trump não se deu por rogado e na semana passada, contra a vontade de caciques republicanos, lançou ao mar sua nau de candidato à Presidência em 2024, mas as rachaduras no casco do seu navio são evidentes e até o conglomerado de mídia dos Murdoch, controlador da Fox News, que apoiou entusiasticamente o seu governo, emite claros sinais de que está pulando fora de mais uma aventura trumpista, em favor de candidatos mais viáveis, como Ronald DeSantis.
Ele foi reeleito governador da Flórida com votação expressiva, sendo certamente o maior vencedor republicano desta eleição. Trump e DeSantis já estão trocando farpas em público e o segundo vai abandonar sua antiga lealdade ao ex-presidente (conforme previsto por esta coluna em agosto).
Do lado democrata, a administração Biden se mostrou mais resiliente do que se imaginava, com trunfos como o baixo desemprego e políticas populares como o perdão a débitos de financiamento estudantil. Além disso, o comparecimento às urnas de mulheres e jovens ficou acima do esperado e esse eleitorado tende a endossar as políticas liberais. O voto feminino, aliás, foi turbinado pela reação contra a decisão da Suprema Corte no caso Dobbs, que negou o aborto como um direito constitucional e autorizou os estados a legislar sobre a matéria.
O tiro dos juízes conservadores definitivamente saiu pela culatra. A popularidade dos democratas nesse segmento também se revela por um outro dado: o partido elegeu oito governadoras mulheres, um recorde. Dentre elas, desponta Gretchen Whitmer, reeleita em Michigan, uma política que começa a ganhar projeção nacional e seguramente aparecerá como nome forte para a Presidência no futuro.
A perda da maioria na Câmara, porém, precipitou a aposentadoria de uma das maiores líderes do Partido Democrata: Nancy Pelosi, atual “speaker of the House” (cargo equivalente à presidência da Câmara dos Deputados no Brasil), anunciou que abrirá mão da sua posição de liderança partidária que ostenta desde o segundo mandato de George Bush filho. Embora continue com mandato de deputada, pois reeleita aos 81 anos, abre espaço para lideranças mais jovens. De qualquer forma, pela sua idade, essa renovação já era esperada. Pelosi deixa o cargo com grande admiração dos liberais.
Se os democratas de fato conquistarem mais uma cadeira no Senado (haverá segundo turno na Geórgia no início de dezembro), essa vitória terá importantes consequências políticas. Atualmente cada partido conta com 50 cadeiras e a administração das comissões na casa congressual precisa ser dividida com os republicanos. Se os democratas obtiverem a 51ª cadeira, como indicam as projeções, eles terão o direito de controlar a presidência de todas as comissões, cujo poder de agenda não é desprezível. Poderão, por exemplo, acelerar a nomeação dos juízes federais que serão indicados por Biden nos próximos dois anos. Apesar de perder o controle da Câmara por estreita margem, o atual presidente dos EUA sai das eleições mais fortalecido do que antes do pleito.