O mercado que não espera: Token, NFT e a regulamentação de criptoativos no Brasil
JOTA.Info 2023-01-28
Os criptoativos são uma representação de valores existentes somente no meio digital, comumente representado por tokens, transacionados de forma eletrônica, para investir e especular, transferir valores ou ainda, para acessar serviços. Em razão da inovação conferida às operações, há quem diga que são o futuro do sistema financeiro global.
Considerando o grande destaque no mercado internacional inúmeros debates surgiram sobre a regulação dos ativos em diversos países. Neste sentido, a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) entende ser um verdadeiro desafio transfronteiriço que demanda mais orientações[i].
A discussão ganha ainda mais relevância frente às notícias envolvendo a quebra da corretora norte-americana FTX e a possibilidade de segregação patrimonial dos ativos.
A segregação patrimonial era uma das bandeiras levantadas pelo presidente do Banco Central, Campos Neto, não tendo sido alvo da nova lei aprovada na Câmara dos Deputados no dia 04 de dezembro de 2022.
Em contraponto ao texto aprovado que aguarda apenas a sanção presidencial, pretendia-se que as moedas digitais sejam apenas do cliente não podendo ser usadas para pagamento de dívidas da empresa, como no caso da moeda real a disposição dos bancos para concessão de empréstimos.
Sendo assim, o Projeto de Lei (PL) 4401/2021, de autoria do deputado federal Áureo Lidio (Solidariedade/RJ), prevê o estabelecimento de um marco regulatório para o mercado de criptoativos no Brasil, sem determinar a segregação patrimonial.
O referido PL visa alterar o Código Penal e as Leis nºs 7.492 de 1986, e 9.613 de 1998, para incluir a prestadora de serviços de ativos virtuais no rol de instituições sujeitas às suas disposições, passando a versar sobre crimes de fraude em prestação de serviços de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros.
No entanto, os atores do mercado não estão em consenso sobre o Projeto. Neste sentido, o diretor de relações governamentais da exchange de criptomoedas brasileira Mercado Bitcoin, Julien Dutra[ii], e o especialista em blockchain e CEO da Smartpay, Rocelo Lopes[iii], concederam entrevista ao Jornal Folha de São Paulo, na qual apresentaram visões antagônicas sobre a proposta regulatória.
Para Julien, o projeto é positivo para o mercado, pois a regulamentação colocaria o Brasil na vanguarda mundial ao lado de países como os Estados Unidos, cujo presidente assinou, recentemente, uma ordem executiva estimulando os órgãos reguladores do país a analisarem o tema dos criptoativos.
Dutra também alegou que o PL envolveu um amplo debate entre os legisladores e as autoridades do Poder Executivo relacionadas ao mercado financeiro, em especial o Banco Central (Bacen) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), além de agentes do mercado de cripto. Segundo o diretor da exchange Mercado Bitcoin, a proposta atende às principais preocupações dos entusiastas deste último certo, eis que além de ampliar a proteção aos investidores, não regula a tecnologia em si e garante a liberdade, bem como consolida as “melhores práticas de mercado”.
O executivo acrescentou que as empresas filiadas à ABCripto (Associação Brasileira de Criptoeconomia) já seguiam normas internacionais de compliance e que já reportavam as operações dos clientes à Receita Federal, seguindo a instrução normativa 1.888/2019, além do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e do Código do Consumidor.
Ele também destacou que a propositura é calcada na livre iniciativa, na concorrência, na proteção do consumidor e na prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo. Em sua conclusão, considera que a lei deverá ser “principiológica”, por ser estratégica e acompanhar a dinâmica do mercado, não existindo dúvida acerca do interesse do governo em “desenvolver esse mercado inovativo em prol da economia digital”.
Em contraponto, o CEO da Smartpay vislumbra inúmeras lacunas na proposta. Alega que não confere proteção às startups, aos balcões de transações ponto a ponto (P2P) e às exchanges de criptomoedas, pois, segundo ele, não terão garantias legais em relação à manutenção do funcionamento de suas contas bancárias, independentemente de ter ou não “interesse comercial”.
Outrossim, aduz que o projeto não é claro em relação à mineração de criptomoedas, que, segundo o executivo, não possui salvaguardas de isenção de impostos em decorrência do alto consumo energético, o que poderia inibir a expansão da atividade no país. Por fim, criticou o excesso de informações pessoais solicitadas aos clientes por parte das exchanges.
A discussão sobre a regulamentação dos criptoativos também chegou à Comissão de Valores Imobiliários, tendo recentemente, publicado o Parecer de Orientação 40 de 2022, visando esclarecer o limite de atuação da Autarquia no setor de criptomoedas, garantido previsibilidade e segurança, sem deixar de lado o intuito de fomentar o desenvolvimento desses ativos.
Em seu parecer, a CVM informa que deve ser avaliado pelos agentes de mercado se os criptoativos configuram-se ou não como valores mobiliários considerando sobretudo os conceitos previstos nos incisos do art. 2º da Lei 6.385 de 1976.
Sobre a fiscalização, a Autarquia pretende empreender esforços ao que considera ser um mercado marginal de criptoativos capazes de se enquadrar em valores mobiliários. Para tanto, irá atuar por meio de alertas de suspensão (Stop Orders), instauração de processos administrativos sancionadores e a comunicação ao Ministério Público Federal e Estadual e à Polícia Federal acerca da existência de eventuais crimes.
Com intuito de se manter atualizada frente às inovações tecnológicas, a CVM instituiu o Sandbox Regulatório, por meio do qual recebe propostas de projetos, cuja definição pela Autarquia, traduz-se num ambiente experimental em que os participantes admitidos recebem autorizações temporárias e condicionadas para desenvolver inovações em atividades regulamentadas no mercado de capitais, no qual tiveram sua trajetória monitorada pela CVM[iv].
No Parecer de Orientação nº 40, a CVM afirma que é receptiva às novas tecnologias que “contribuem e influenciam positivamente a evolução do mercado de valores mobiliários”. Segundo a comissão, a adoção de tecnologias deve ser feita como uma forma de ampliação de horizontes e, não, uma limitação da extensão com que direitos podem ser exercidos.
De acordo com o documento, embora os criptoativos não sejam propriamente regulados, ressalta-se que não é o fato de serem ativos digitais que atrai a atenção da Autarquia[v], mas sim se estes ativos podem configurar valores mobiliários, incidindo a competência da CVM (artigo 2º da Lei 6.385 de 1976).
Neste esteio, o aludido Parecer dispõe que as emissões e a oferta pública serão, então, alvo de regulamentação se emitirem valores mobiliários com fito de distribuição pública, entre outras operações que envolvam valores mobiliários.
O supramencionado parecer também definiu como a Comissão abordará os diferentes tipos de tokens que existem dentro da criptoeconomia, dividindo-os em três principais categorias:(i) tokens de pagamento; (ii) tokens de utilidade; e (iii) tokens referenciados a ativos.
Os Tokens de Pagamento (cryptocurrency ou payment token) replicam as funções de uma moeda, como um meio de troca e reserva de valor. Os supramencionados payment tokens fazem parte de um processo chamado “pagamento invisível”, com finalidade de proteger as transações e os dados pessoais do usuário por meio da criptografia.
A tokenização dos pagamentos, segundo o site Renova Invest, é realizada por meio do registro do cartão de crédito ou débito do usuário em uma carteira digital. Em seguida, o provedor da carteira solicitará o token à bandeira, que informará ao emissor do cartão sobre a requisição. Tendo sido aprovado, os números do cartão são substituídos por um código alfanumérico único — o token — que será enviado para a carteira. Cada dispositivo e loja terão um token exclusivo, tornando desnecessário cadastrar as informações em compras futuras[vi].
Neste diapasão, os tokens aparecem como uma forma de pagamento para fazer aquisições de produtos e serviços com segurança — sobretudo no ambiente on-line. Sendo assim, na hipótese de um invasor interceptar os dados da transação, ele não teria acesso às informações pessoais do usuário.
O segundo tipo de token dentro da criptoeconomia, conforme o Parecer de Orientação 40 da CVM é o token de utilidade (utility token) que pode ser utilizado para acessar determinados produtos ou serviços, ou até obter benefícios, como cashback, por exemplo. Sendo assim, o objetivo principal deles é o acesso a vantagens exclusivas e não a utilização como investimento[vii].
Esse tipo de token é emitido seguindo a vontade do criador, decidindo quais serão os limites de transações. Neste sentido, as exchanges não possuem influência nos valores destes token, possuindo um crescimento orgânico e próprio[viii].
Por último, os tokens referenciado a ativos (asset-backed token) traduzem-se num ou mais ativos, tangíveis ou intangíveis. A autarquia traz como exemplo em seu Parecer de Orientação os “security tokens”, as stablecoins, as NFT’s (non-fungible tokens) entre outros ativos objetos de tokenização[ix].
Dentre os ativos mencionados, as NFT’s possuem grande destaque seja pelo caráter não fungível já presente no nome, seja pelo enorme valor agregado que pode ser transacionada, sendo comparadas a renomadas obras de arte.
Em seu parecer, a CVM entende que o token referenciado a ativo pode ou não ser um valor mobiliário. Além disso, as categorias supracitadas não são exclusivas, possibilitando que um único criptoativo se enquadre em uma ou mais categorias, a depender das funções que desempenhe e dos direitos a ele associados.
Em suma, de um lado tem-se a aprovação na Câmara dos Deputados do Projeto de Lei 4401/2021, ainda aguardando a sanção presidencial, e de outro o Parecer de Orientação nº 40 da CVM, cuja evolução se demonstra sensível às demandas do mercado sem prescindir da necessária adequação às leis brasileiras.
Portanto, a regulação de criptoativos no Brasil – embora esteja claro que órgãos regulamentadores estão atentos à matéria –, deverá demandar maior amadurecimento e tempo para que sejam alcançadas conclusões regulatórias. Enquanto isso, o mercado de cripto – que não espera – atua a todo vapor na globalização e descentralização financeira.
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[i]BRASIL. Ministério da Economia. Comissão de Valores Mobiliários. Parecer de Orientação nº 40/2022. Rio de Janeiro: Ministério da Economia, 11 out. 2022. Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/pareceres-orientacao/anexos/Pare040.pdf APUD OCDE, “Why Decentralised Finance (DeFi) Matters and the Policy Implications”, 2022, disponível em https://www.oecd.org/daf/fin/financialmarkets/Why-Decentralised-Finance-DeFi-Matters-and-the- Policy-Implications.pdf. Acesso em 26/08/2022
[ii] DUTRA, Julien. Projeto de lei que regulamenta os criptoativos é positivo? SIM. Folha de São Paulo. São Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2022/07/projeto-de-lei-que-regulamenta-os-criptoativos-e-positivo-sim.shtml. Acesso em 17/11/2022.
[iii] LOPES, Rocelo. Projeto de lei que regulamenta os criptoativos é positivo? NÃO. Folha de São Paulo. São Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2022/07/projeto-de-lei-que-regulamenta-os-criptoativos-e-positivo-nao.shtml. Acesso em 17/11/2022.
[iv] BRASIL. Ministério da Economia. Comissão de Valores Mobiliários. Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/sandbox_regulatorio.html#:~:text=O%20sandbox%20%C3%A9%20uma%20nova,de%20capitais%20em%20jurisdi%C3%A7%C3%B5es%20estrangeiras. Acesso em: 21/11/2022
[v] BRASIL. Ministério da Economia. Comissão de Valores Mobiliários. Decisão do Colegiado da CVM no âmbito do PA nº 19957.010938/2017-13. Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/decisoes/2018/20180130_R1/20180130_D0888.html. Acesso em: 21/11/2022
[vi] ISMAR, Bruno. Tokens de pagamento: o que são e como funcionam. Renova Investe. Disponível em: https://renovainvest.com.br/blog/tokens-de-pagamentos-o-que-sao-e-como-funcionam/. Acesso em: 17/11/2022
[vii] JEHNIFFER, Jaíne. Utility tokens, o que são? Emissão, dicas e como comprar. Disponível em: https://investidorsardinha.r7.com/aprender/utility-tokens-o-que-sao/. Acesso em 21/11/2022.
[viii] JEHNIFFER, Jaíne. Utility tokens, o que são? Emissão, dicas e como comprar. Disponível em: https://investidorsardinha.r7.com/aprender/utility-tokens-o-que-sao/. Acesso em 21/11/2022.
[ix] BRASIL. Ministério da Economia. Comissão de Valores Mobiliários. Parecer de Orientação nº 40/2022. Rio de Janeiro: Ministério da Economia, 11 out. 2022. Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/pareceres-orientacao/anexos/Pare040.pdf. Acesso em 21/11/2022