Suprema Corte dos EUA pode restringir direito de greve
JOTA.Info 2023-02-06
Uma paralisação de caminhoneiros ocorrida e resolvida há muitos anos no estado de Washington, na costa oeste dos EUA, deixou um legado que poderá colocar em risco o direito de greve de todos os trabalhadores americanos.
Uma companhia fornecedora de concreto alegou que uma paralisação repentina de motoristas de betoneiras provocou a perda de milhares de toneladas de massa do material, que acabou “empedrando” com o desligamento dos equipamentos que a fazem girar, de modo a garantir sua maleabilidade. Em razão disso, processou o Sindicato dos Caminhoneiros (Teamsters) na Justiça Estadual, alegando danos aos seu patrimônio.
A legislação federal americana (National Labor Relations Act, de 1935) não permite que os sindicatos sejam responsabilizados por perdas econômicas decorrentes da greve, já que a paralisação da produção de bens ou da prestação de serviços é justamente o instrumento que os trabalhadores podem utilizar para pressionar pela negociação coletiva. No entanto, há exceções, como dano deliberado à propriedade, violência ou vandalismo.
No caso, conhecido como Glacier Northwest, Inc. v. International Brotherhood of Teamsters Local Union 174, há uma certa controvérsia quanto aos fatos, pois o sindicato alega que os caminhões que estavam em operação foram redirecionados ao pátio da empresa quando a greve foi decretada, com tempo hábil para a retirada e reaproveitamento do material, que caberia a outros empregados e não aos motoristas. O empregador, de sua parte, alega que o procedimento dos grevistas foi proposital, com intuito de causar dano econômico ao empregador, que não pôde reaproveitar o material. É incontroverso que os caminhões não foram danificados.
Porém, a Suprema Corte não adentrará esse mérito, pois examinará o caso sob uma questão procedimental: os empregadores podem processar sindicatos perante a Justiça Estadual, por alegada violação ao seu patrimônio? De acordo com a legislação trabalhista americana, todos os conflitos decorrentes de movimento grevista devem ser adjudicados administrativamente perante a National Labor Relations Board, uma agência federal criada pelo NLRA (1935), com a finalidade de resolver conflitos decorrentes de negociação coletiva e greve.
Assim, conforme o artigo VI, cláusula II, da Constituição dos EUA, incide a doutrina da preemption, que significa a prevalência de leis federais sobre a legislação estadual. Desta forma, em princípio, conflitos decorrentes de greve precisam passar obrigatoriamente pela jurisdição administrativa e somente poderiam chegar ao Judiciário (e através da Justiça Federal) quando exaurida a deliberação do NLRB.
Assim foi o entendimento da Justiça Estadual de Washington, que extinguiu a ação por entender que lhe faltava jurisdição sobre o caso. A tese da empresa recorrente (que contratou um escritório de advocacia cujo sócio era um dos conselheiros jurídicos do governo Trump) é a de que, no caso das exceções por dano deliberado ao patrimônio, a ação teria natureza essencialmente civil e, portanto, poderia ser ajuizada na Justiça Estadual.
Em princípio, a questão já foi solucionada anteriormente pela Suprema Corte no procedente San Diego Building Trades Council v. Garmon, de 1959, em que se afirmou a doutrina da preemption em favor da jurisdição administrativa federal, mesmo em ações por danos decorrentes de greve.
Assim, já é atípico que a Suprema Corte tenha admitido o recurso, supostamente em razão da antiguidade do procedente e de uma teórica inovação nos argumentos. Atípico, mas compreensível no contexto presente: a atual composição extremamente conservadora da Suprema Corte (especialmente em matéria sindical) tem estimulado o patronato a recorrer à corte constitucional para revisão de antigos precedentes favoráveis à classe trabalhadora. O empresariado americano entendeu muito facilmente que com a atual maioria “antilabor” é hora de “passar a boiada”.
A decisão deve ser proferida até o final deste semestre. Se acolhida a tese patronal, será mais uma dificuldade para a vida dos sindicatos americanos, que passam por fase de crescimento e expansão de movimentos grevistas.