As exigências questionáveis da pauta fiscal para construtoras e incorporadoras
JOTA.Info 2023-02-13
As construtoras e incorporadoras enfrentam há muito tempo duas exigências bastante questionáveis por grande parte das prefeituras municipais: vinculação da expedição do Habite-se ao pagamento imediato do imposto sobre serviços de construção civil (ISS) e a exigência do referido imposto com base em um cálculo arbitrado denominado pauta fiscal.
A primeira exigência, muito conhecida e combatida pelas empresas que atuam no segmento, traduz-se na tentativa de vincular a expedição do Habite-se ao pagamento do total ou de algum saldo de ISS devido em razão da prestação de serviços durante a obra. Há muitos anos o Judiciário afasta tal exigência, repressiva ou preventivamente, uma vez que a expedição de referido documento deveria depender da avaliação de requisitos de ordem técnica da obra e das condições de habitação do empreendimento, e não de qualquer critério de ordem tributária, consubstanciando-se tal vinculação a uma ilegal coação arrecadatória.
Em relação à segunda exigência, qual seja, a aplicação de uma pauta mínima para cálculo e pagamento do ISS, esta somente poderia ser considerada válida se, e somente se, (i) o empreendimento for construído com mão de obra terceirizada de empresa que não figure como sócia do empreendimento (afastando-se a hipótese de incorporação direta, que não é alvo do ISS na construção civil); e, concomitantemente, (ii) existir insuficiência de recolhimento de ISS em razão, por exemplo, de sonegação ou fraude fiscal durante a construção do empreendimento. E, ainda assim, alguns critérios de arbitramento deveriam ser levados em consideração, como, por exemplo, a impossibilidade de se considerar o custo de materiais empregados durante a obra no cálculo do serviço a ser tributado.
Não pode, portanto, a pauta fiscal ser aplicada indistintamente, principalmente como se faz em cidades como São Paulo, que emite uma guia contendo um “saldo” de ISS no momento da transmissão da Declaração Tributária de Conclusão de Obra (DTCO) sem qualquer prazo para contestação ou qualquer justificativa plausível, a não ser a própria pauta fiscal. E, nesse caso, o contribuinte acaba tendo que pagar o valor e depois se socorrer de uma restituição judicial, que pode levar décadas para ocorrer, ou depositar o valor em uma ação ordinária que tenha como objetivo anular o valor objeto da pauta fiscal, há muito tempo condenada pelo Poder Judiciário em casos em que aplicada injustificada e indistintamente.
E é justamente essa reiterada jurisprudência sobre o tema que tem amparado recentes decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) no sentido de afastar preventivamente a pauta fiscal, na hipótese em que indiscriminadamente exigida no momento da entrega da DTCO. Isso desonera sobremaneira o incorporador, evita o contingenciamento de um valor muitas vezes significante ou mesmo que esse valor seja desembolsado para satisfazer, ainda que temporariamente, os interesses do ente tributante municipal.
A justificativa do Poder Judiciário nos casos em que garantiu o direito preventivamente é justamente o fato de que se trata de prática reiterada pela municipalidade, amparada por norma municipal, e que acaba colocando o contribuinte em uma situação de prejuízo de difícil reparação. A título exemplificativo, cita-se decisões proferidas nos autos dos agravos de instrumento de números 2075523-18.2022.8.26.0000 e 2104872-03.2021.8.26.0000, nos autos dos quais se garantiu o afastamento preventivo, na mesma ação, da aplicação da pauta fiscal, com suspensão da exigibilidade de qualquer crédito que venha a ser lançado na transmissão da DTCO sem fiscalização prévia, e da vinculação do Habite-se ao pagamento de qualquer saldo de imposto.
Trata-se de decisões relativamente novas que, espera-se, semeiem o Poder Judiciário de um posicionamento dominante à respeito dos temas em questão, a fim de se preservar o bom direito dos contribuintes do ramo de construção civil e incorporação imobiliária, que geram milhares de empregos direta e indiretamente e, além de tudo, são responsáveis por uma farta arrecadação tributária aos cofres públicos, independentemente da aplicação da famigerada pauta fiscal.