Advogada de Trump recebe censura pública por mentir sobre eleições nos EUA
JOTA.Info 2023-03-13
Jenna Ellis, hoje com 38 anos, formou-se em direito em 2011 na Universidade de Richmond (Virgínia), e logo a seguir registrou-se na Ordem dos Advogados (Bar Association) do Colorado, onde nasceu. Em 2012, conseguiu um emprego como promotora substituta em um pequeno condado daquele estado, mas foi despedida seis meses depois por “deficiências na sua educação e falta de experiência”.
Passou então a atuar na advocacia privada, mas os clientes eram raros e as causas modestas, com parte da sua atuação se dando em defesa de motoristas que cometem infrações de trânsito. Cristã radical, em 2015 escreveu e autoeditou um livro sobre como interpretar a Constituição dos Estados Unidos de acordo com a Bíblia. Neste mesmo ano foi contratada para dar aulas de ciência política e estudos legais na Colorado Christian University, instituição que não possui curso de direito.
Suas enfáticas opiniões antiliberais em temas relativos aos costumes chamou a atenção da imprensa alternativa ultraconservadora, e Ellis passou a dar entrevistas em pequenas emissoras de rádio e a escrever artigos em nichos de mídia, nos quais condenava decisões progressistas da Suprema Corte, em especial o caso que assegurou o casamento homoafetivo nos EUA (Obergefell v. Hodges, de 2015), o qual, segundo ela, levaria à legalização da poligamia e da pedofilia.
Apesar da sua carreira obscura, a advogada do Colorado recebeu em 2018 um convite da Fox News para uma entrevista em rede nacional, na qual defendia enfaticamente o presidente Donald Trump dos inúmeros processos judiciais e acusações que marcavam seu mandato. Bem falante e com boa presença na TV, passou a ser chamada frequentemente naquela emissora, como uma comentarista legal. Ela inclusive se intitulava professora de Direito Constitucional, o que nunca foi, mas a Fox, como se sabe, não se importa muito com o mundo dos fatos. Com esse holofote, foi contratada em fins de 2019 como “legal advisor” da campanha à reeleição de Donald Trump, embora não tivesse nenhum conhecimento teórico ou experiência em direito eleitoral. Pela primeira vez na vida, conseguiu um cliente importante e passou a receber honorários polpudos.
Quando o veredito das urnas finalmente confirmou a eleição de Joe Biden, em 23 de novembro de 2020, Jenna Ellis apareceu em várias redes de TV, alegando em nome da campanha que as eleições haviam sido roubadas e que Trump havia vencido “por uma avalanche de votos”.
Além disto, uniu-se a Rudolph Giuliani, o advogado contratado por Trump para reverter o resultado das eleições, e com ele foi a todos os estados em que a vitória de Biden havia sido bastante apertada. A dupla pressionou legislaturas estaduais para invalidar as eleições locais e Giuliani ajuizou várias ações com alegações de fraudes eleitorais, mas, como se sabe, tudo foi um grande fiasco. A Jenna Ellis é atribuído, ainda, o rascunho de um plano mirabolante para negar a homologação da eleição de Biden pelo Congresso dos EUA no fatídico 6 de janeiro de 2021. Ela foi, por isso mesmo, convocada a depor na Comissão de Inquérito que investiga a invasão do Capitólio, mas invocou a Quinta Emenda e optou ficar em silêncio na audiência.
Depois disso, a advogada Ellis voltou à obscuridade profissional, porém na semana passada estava de volta às manchetes: em um processo disciplinar instaurado na Justiça estadual do Colorado, recebeu a pena de censura pública por fazer dez declarações falsas sobre o resultado das eleições. A advogada admitiu perante a autoridade judicial que tinha conhecimento das falsidades, as quais teriam sido proclamadas por “motivo egoísta” e em decorrência de “um estado mental imprudente”.
Nos EUA, o controle disciplinar dos advogados é feito, na maior parte dos estados, por autoridades judiciárias estaduais previamente designadas para esse fim. Em uma decisão de seis páginas, o juiz Bryon M. Large afirmou que a advogada Jenna Ellis “repetidamente retorceu a realidade em cadeia nacional de TV e no Twitter, minando a confiança do público americano na eleição presidencial de 2020”. Ela ainda terá que pagar US$ 224 de multa. As sanções foram impostas com base em uma norma estadual do Colorado que veda aos advogados locais conduta profissional “desonesta, fraudulenta, enganosa ou deturpadora da realidade”. A decisão pode ser lida neste link.
Jessica Yates, uma espécie de corregedora das atividades dos advogados no estado e responsável pela representação contra Ellis, declarou que “a censura pública reforça a ideia de que mesmo quando engajados em um discurso político, há uma linha que os advogados não podem cruzar, especialmente quando estão desempenhando representação de clientes”.
Para além da trajetória meteórica e picaresca de Jenna Ellis, o episódio parece ser de bastante utilidade no atual contexto brasileiro, onde também assistimos a um negacionismo eleitoral de graves consequências, o qual não deve jamais ser acomodado ao apanágio de simples exercício da liberdade de expressão.