A maldição do reajuste em concessões

JOTA.Info 2023-03-28

O reajuste, nos contratos de concessão, deveria ser dos temas mais simples. Afinal não se trata de dar à concessionária nenhuma vantagem, mas apenas de preservar o valor a que ela faz jus pela prestação do serviço; mantê-lo equivalente, atualizá-lo diante de perdas inflacionárias que decorrem do passar do tempo.

Na prática, no entanto, concessionárias amargam anos sem reajuste, diante das mais disparatadas justificativas. Em geral, o presidente, governador ou prefeito alega alguma irregularidade na concepção ou gestão do contrato, ou mesmo a “injustiça” em “ampliar ganhos privados”, e anuncia a intenção de suspender o reajuste.

Mas essa atitude é injustificável sob qualquer perspectiva.

Juridicamente, ela está fadada ao insucesso. Represar o reajuste com base em irregularidade contratual (suposta ou real) é procedimento ilegal, como tem sido reiteradamente reconhecido pela jurisprudência, a tal ponto de ter virado objeto do Enunciado 34 das Jornadas de Direito Administrativo do CJF/STJ. O reajuste é “automático”. E, se irregularidade houver, ela deve ser apurada em processo administrativo próprio, no qual se garantirão à concessionária ampla defesa e contraditório e no qual lhe poderão ser aplicadas eventuais sanções. Represar reajuste não é forma de penalidade admitida pelo Direito, em nenhuma hipótese.

Economicamente, é medida irracional. Corresponde a um empréstimo forçado que o poder concedente toma da concessionária – e que, depois, terá de lhe pagar. Acontece que os juros que incidem sobre esse “empréstimo” correspondem à taxa interna de retorno (TIR) do contrato, que normalmente superam os juros encontradiços no mercado de crédito. Isso significa que valeria até a pena pegar emprestado dinheiro do mercado para pagar à concessionária, ao invés de atrasar o reajuste devido. Negar-se a reajustar os contratos de concessão é medida econômica tão desatinada, que já se apontou que ela deveria dar ensejo a ações de improbidade, pelo prejuízo que causa aos cofres públicos.

Politicamente, enfim, a atitude também terá impactos negativos. Como nos contratos de concessão, os investimentos da concessionária na infraestrutura pública se fazem normalmente no início do contrato e a sua remuneração se dá ao longo dos anos seguintes, a segurança jurídica (de que os termos contratuais serão respeitados e de que ela receberá o que lhe foi prometido) é seu elemento absolutamente essencial. Assim, o desrespeito ao direito mais básico da concessionária fatalmente acarretará para o poder público dificuldade futura para conseguir bons parceiros privados ou boas parcerias.

Como é normalmente o caso com medidas populistas, a negação em aplicar o reajuste devido em contratos de concessão só gera benefícios ao político que a propõe, que posará de protetor da população e fingirá surpresa quando vir a medida ser barrada judicialmente. A conta será toda nossa.