Justiça brasileira deve julgar rescisão de contrato de timeshare firmado no México
JOTA.Info 2023-04-17
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o Judiciário brasileiro é competente para julgar uma ação de rescisão de contrato de hospedagem celebrado no México para lá produzir efeitos. Os ministros consideraram que o processo pode ter seguimento no Brasil em função da dificuldade de o consumidor acionar a autoridade estrangeira.
Com esse entendimento, a Corte determinou o retorno do caso de dois brasileiros que fecharam uma compra no sistema de timeshare — formato no qual se tem o direito a desfrutar de uma acomodação por tempo determinado — ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP).
De férias no Caribe, o casal foi abordado por funcionários da rede de hotelaria Meliá. Os vendedores ofereceram um contrato de adesão a clube. Comprando um título de filiação e realizando um pagamento mensal, o casal teria direito a diárias com desconto e aproveitar as unidades da rede uma semana por ano, durante 25 anos.
“Após longa explanação dos funcionários,” os dois foram convencidos e aceitaram firmar um contrato no valor de US$ 15,8 mil (ou cerca de R$ 77,58 mil pela cotação atual do dólar). O montante seria cobrado em parcelas.
Primeiro, uma entrada de US$ 393,33, mais um adicional de US$ 1976,67. O restante, US$ 13,43 mil, seria pago em 60 meses em parcelas de US$ 318,79, com taxa de juros de 14,9%. Ainda foi cobrada uma taxa de custo de financiamento, no valor de US$ 595.
O casal pagou, no total, pouco mais de US$ 11,57 mil, mas nunca utilizou o serviço. Foi quando, “posto enfrentarem dificuldades financeiras e melhor analisando o negócio entabulado, optaram os autores por procurar a ré a fim de cancelar o mesmo e solicitar o reembolso do quanto já pago, obviamente descontada eventual cláusula penal”.
Eles entraram em contato com a empresa por telefone e foram orientados a enviar um email, o que fizeram. Na resposta, apenas foram oferecidas as opções de revenda de suas estadias, o compartilhamento ou a revenda da filiação a terceiros, sujeitas à aprovação.
“Para sua surpresa, os autores, foram impedidos, ao contrário das informações que lhes foram prestadas inicialmente pelo representante da requerida, de promover o cancelamento do contrato, sendo informados, sem qualquer embasamento contratual, que pretensamente somente o poderiam fazê-lo em até 5 dias após a assinatura.”
Eles foram à Justiça e conseguiram, na primeira instância, uma decisão favorável que resultaria na rescisão contratual com devolução dos valores pagos. O julgado, entretanto, foi revertido depois pelo TJSP, para quem a Justiça brasileira não teria competência para decidir o caso.
No STJ, ao reconhecer que se tratava de relação de consumo, o colegiado decidiu que a demanda pode ter seguimento na Justiça brasileira, porque o foro eleito contratualmente no exterior dificulta o exercício dos direitos do consumidor domiciliado no Brasil.
“Em contratos decorrentes de relação de consumo firmados fora do território nacional, a Justiça brasileira pode declarar nulo o foro de eleição diante do prejuízo e da dificuldade de o consumidor acionar a autoridade judiciária estrangeira para fazer valer o seu direito,” afirmou o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
O magistrado lembrou que a legislação consumerista visa garantir e facilitar ao consumidor a defesa dos seus direitos, sendo que o Código de Processo Civil (CPC) admite a competência da Justiça brasileira para julgar demandas de relação de consumo quando a pessoa tiver domicílio ou residência no país.
“O STJ orienta no sentido da nulidade de cláusula de eleição de foro a partir da demonstração do prejuízo ao direito de defesa e de acesso ao Judiciário,” resumiu o ministro.
Procurada, a Meliá Brasil não respondeu até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto. A matéria foi apreciada no REsp 1.797.109.