Reforma tributária aflora ‘paixões’ em debate entre tributaristas

JOTA.Info 2023-05-10

A professora da PUC-Minas e advogada tributarista Pilar Coutinho resumiu em poucas palavras o painel de mais de uma hora e meia sobre reforma tributária realizado nesta quarta-feira (10/5) no VIII Congresso Brasileiro de Direito Tributário Atual, promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). “É um tema que causa paixões”.

Essa foi a conclusão com a qual a consultora iniciou sua fala, a última antes do encerramento da mesa “Reforma Tributária — regressividade e adequada repartição dos encargos”, em uma posição que lhe permitiu ouvir as provocações e os acenos de seus colegas às propostas em tramitação no Congresso.

A primeira exposição foi realizada pelo procurador da Fazenda Nacional cedido à Advocacia-Geral da União (AGU) Leonardo Alvim. Do púlpito do Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, Alvim fez uma sóbria defesa da reforma tributária quanto a uma possível agressão ao pacto federativo.

O procurador da Fazenda Nacional argumentou que o modelo debatido hoje não ofende a competência de estados e municípios para cobrar tributos e se inibe a capacidade de conceder benefícios fiscais, isso é positivo. Afinal, segundo ele, “devolver para aquele que precisa é muito mais eficiente que um benefício fiscal”.

Alvim afirmou que unificar a base e tributar no destino, com cashback, em vez de dividir e fazer com que um ente “lute em uma guerra fiscal contra o outro”, é uma saída que, na verdade, reforça “o federalismo e nos traz um sentimento de união”.

As palavras foram seguidas de um curto endosso da moderadora Lina Santin, coordenadora do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP, que logo passou a vez ao professor do departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da USP Heleno Taveira Torres.

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O tom foi o seguinte: “Longe de mim ser contra a reforma tributária, mas me parece que há equívocos sobre a metodologia, o encaminhamento da reforma tributária. Eles não são deste governo, vamos deixar isso muito claro. Esses erros foram perpetrados pelo governo passado a partir da PEC 45 e depois da PEC 110”.

“Esses erros prosseguem agora com o Congresso Nacional capturando a reforma tributária do Poder Executivo, que é quem tem as contas e, junto com governos estaduais e municipais, tem a condição de calcular o montante em relação a alíquotas, base de cálculo e suportabilidade de carga tributária pelos contribuintes. Não acredito em reforma tributária criada pelo Poder Legislativo.”

O professor Heleno Torres, que também é advogado, seguiu, criticando a falta de definição ao redor da instituição de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) ou um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), bem como se será um IVA dual ou único. De acordo como o tributarista, o pacto federativo nem foi discutido ainda.

Ao final, ele defendeu uma reforma mais simples, via lei complementar ou mesmo lei ordinária, “para assegurar a preservação do modelo constitucional brasileiro e garantir previsibilidade, agilidade e certeza ao contribuinte. Não vejo necessidade de fazer uma reforma tributária para 2027”, no que emendou:

“É para não entregar ao presidente Lula os resultados da reforma tributária? É isso? Se for esse o objetivo, tem que ser dito, publicamente. Nós precisamos de uma reforma tributária para o Brasil independentemente de quem é o presidente. Queremos uma reforma tributária para 2024.”

A declaração motivou a mediadora Lina Santin a dizer que “a graça desses congressos é quando concordamos em discordar”, mas não apenas. Embora ela tenha reconhecido a possibilidade de endereçar pontos da reforma via lei, a especialista frisou que mesmo assim não nos encontraríamos no mesmo nível mundial quando se trata e tributação sobre o consumo.

Valter Souza Lobato, presidente da Associação Brasileira de Direito Tributário (Abradt), mostrou apoio ao que disse o professor Heleno Torres e ponderou que as propostas de reforma tributária, como estão escritas hoje, não atacam os principais problemas da não cumulatividade.

De acordo com Lobato, existem três grandes problemas: o conflito entre créditos físicos e créditos financeiros, as bases cruzadas (quando tributo passa a integrar a base de outro tributo) e os regimes cruzados (quando há mais de um regime dentro do mesmo tributo).

Para o presidente da Abradt, essas arestas são as fontes da “litigiosidade extrema sobre a não cumulatividade” e “geram problemas graves de cumulatividade residual do sistema,” levando ao fenômeno da regressividade.

“Essa reforma pode resolver esses problemas? Tenho sérias dúvidas de que essas soluções virão.” Lobato disse que as propostas só colocariam fim a um deles, o do regime cruzado, sendo que isso poderia ser feito por lei.

Pilar Coutinho afirmou que tentaria falar sobre alguns dos temas abordados na mesa, mas admitiu que ignoraria outros por questão do tempo.

Ela abordou a neutralidade e a regressividade e lembrou haver alguns pontos indiscutíveis no debate, como a própria necessidade de reforma e a regressividade como consequência da tributação sobre o consumo.

Sopesando argumentos a favor e contra a instituição de alíquotas diferenciadas e o cashback, a consultora afirmou ficar incomodada com a impressão de que “temos discutido muito do nosso ponto de vista e não temos pensado na visão do outro”.

Ela sustentou que “visões diferentes, com focos diferentes em valores constitucionais, trazem resultados diferentes sobre o que devemos primar e focar numa reforma tributária”.