Direitos de propriedade, metaverso e análise econômica do direito

JOTA.Info 2023-06-10

O metaverso consiste em um espaço coletivo e compartilhado pela soma de realidade virtual, realidade aumentada e internet. Dessa forma, ele nada mais é do que uma projeção do mundo real no ambiente virtual e, por essa razão, tudo aquilo que é possível ser realizado no mundo físico pode ser também realizado no metaverso. Comprar bens, contratar serviços e realizar acordos são exemplos de possibilidades dentro da plataforma.

Uma atividade de compra recorrente no metaverso – e em alta no momento – é a compra de non-fungible tokens, os NFTs. Exemplo de tal transação foi a compra feita por um famoso jogador de futebol brasileiro, que adquiriu três NFTs da “Bored Ape Yacht Club” pelo valor de R$ 6,48 milhões[1].

As criptomoedas, como o bitcoin e o ethereum, são moedas digitais que surgiram com a premissa de fugir da regulação estatal monetária para realizar transações no metaverso. No entanto, a ausência de regulação gera um aumento da incerteza nesse meio, o que, consequentemente, influencia negativamente a eficiência desse mercado. Assim, pensar a regulação do metaverso é tentar descobrir um ponto ótimo da regulação dessa novidade.

O objetivo deste artigo é descobrir a resposta para as perguntas “Como se dá a regulação dos direitos de propriedade dentro dessa tecnologia?” e “Como garantir uma maior certeza nas transações realizadas no metaverso, visando uma maior eficiência?”. A resposta é intuitiva pois, uma vez que o metaverso é a repercussão virtual da realidade, o Direito deve se estruturar para concatenar uma regulação do metaverso que consiga, com uma boa definição dos direitos de propriedade, estimular a geração de riqueza no metaverso.

É sobre isso que, em apertada síntese, com o olhar interdisciplinar da Análise Econômica do Direito, este artigo tratará.

Direito, economia e tecnologia

Como projeção da realidade no mundo virtual, o metaverso é uma tecnologia nova e em decorrência disso os custos de transação são acirrados, i.e, são naturalmente altos. É papel do Direito lubrificar as relações privadas a fim de reduzir os custos de transação[2], porém, principalmente em virtude da indefinição dos direitos de propriedade, há uma dificuldade do Direito de abranger as ocorrências e as relações firmadas dentro do âmbito virtual.

Sob esse prisma, pode ser citado aqui o caso ocorrido na Inglaterra em que uma mulher relatou ter sido estuprada no metaverso[3]. Uma britânica de 43 anos relatou que quatro avatares masculinos apalparam seu avatar enquanto realizavam insinuações sexuais constantes. Um episódio como esse geraria dever de indenizar? Os avatares virtuais podem sentir dor, angústia ou sofrimento, por exemplo?

Uma primeira possível resposta diria que não, até mesmo desmereceria o impacto que um estupro virtual poderia causar na vítima que, para alguns, sequer poderia ser considerada vítima. Por outro lado, quem já experimentou algum simulador de realidade virtual (um jogo, por exemplo), já viu que as emoções virtuais são consideravelmente reais, dada a imersão dos envolvidos. De todo modo, por se tratar de novidade, a indefinição dos direitos de propriedade nessa situação dificulta as respostas do Direito ao caso concreto. Cabe ressaltar que direitos de propriedade não se restringe aos direitos de propriedade do código civil[4], sendo mais amplo, como o delineamento de uma conjuntura de direitos que definem o que o indivíduo pode ou não fazer com o amparo do ordenamento jurídico. Para resolver o problema uma plataforma foi programada para que os direitos de propriedade sejam melhor definidos dentro do metaverso, a blockchain.

A blockchain é um software de registros online que visa manter dados sobre transações no mercado online. Ela funciona como um sistema em blocos em que cada bloco contém uma hash própria, uma espécie de identificação única que não pode ser replicada, e as informações do bloco anterior, o que serve como modo de prevenir invasões à rede, visto que é uma cadeia extensa de blocos e para hackear um deles, sem ser descoberto, deve-se mudar todos os subsequentes.

A confiança advinda da utilização desse sistema impulsiona o mercado de transações virtuais, como visto em 2021 quando R$ 600 milhões foram movimentados, no metaverso The Sandbox, em uma semana pela compra e venda de terrenos virtuais utilizando a blockchain para registrar as transações[5]. Assim, a blockchain constitui-se como um banco de dados descentralizado que é utilizado para registrar transações na internet e sofisticar contratos e, portanto, pode ser entendida como um definidor de direitos de propriedade dentro do mundo virtual.

Posto isso, com as definições de metaverso e blockchain já superadas, cabe apresentar como a aplicação do Teorema de Coase é possibilitada, pela blockchain, no metaverso. Ronald Coase foi um economista britânico, vencedor do prêmio Nobel de Economia de 1991, responsável por elaborar o problema do custo social e, mais relevante para esse artigo, o Teorema de Coase. Tal teorema possui dois pressupostos básicos, que são: baixos custos de transação entre os agentes e definição clara de direito de propriedade.

Assim, o Teorema de Coase implica que, em situações em que seus pressupostos estão presentes, a alocação de recursos sempre será eficiente, visto que as barganhas cooperativas são possibilitadas. Como a definição do direito de propriedade já foi definida neste artigo, cabe, no momento, entender o que são custos de transação. Os custos de transação, estão relacionados com os custos envolvidos em uma negociação e podem ser desmembrados em três estágios[6]. O custo de localizar o outro agente envolvido, o custo de negociar com este agente e o custo de monitorar as partes e punir caso haja uma violação do acordo firmado. Dessa forma, circunstâncias em que ambos os pressupostos estão presentes, as barganhas são facilitadas, pois há uma maior facilidade em cooperar e é mais eficiente do que acionar o judiciário para solucionar o conflito.

Portanto, é de extrema importância entender como a utilização do software da blockchain pelos agentes de uma transação no metaverso funciona como um meio de diminuir os custos de transação, consequentemente alavancando as barganhas cooperativas, e, além disso, facilita a ação do judiciário em situações em que essas cooperações não ocorrerem. Retomando os estágios do custo de transação estabelecidos no início do artigo, a blockchain, ao definir de maneira segura os direitos de propriedade de uma transação, facilita os custos de localização, uma vez que as informações dos agentes estão contidas dentro do bloco referente a transação e permite que os agentes sejam encontrados de maneira particular. Dessa forma, os dados fornecidos pela plataforma garantem o contato entre os agentes e possibilitam a barganha cooperativa entre as partes.

Além de facilitar o primeiro estágio dos custos de transação, os outros custos, de negociação e de monitoramento dos agentes após o acordo, também são influenciados pelo sistema, ainda que com menor intensidade.

Já nos âmbitos de questões em que as barganhas cooperativas não são acatadas e o acionamento judicial é necessário, os custos de transação atrelados à tais questões também diminuem, ainda que permaneçam elevados. Isso se dá pois há uma facilidade do judiciário localizar as partes envolvidas na transação, assim como ocorre nas barganhas do parágrafo anterior, e fiscalizar se há o cumprimento da obrigação determinada. Portanto, ainda que o custo de negociação entre as partes seja alto, os custos de localização e fiscalização são atenuados, diminuindo os riscos da parte lesada pelo não adimplemento do contrato ser prejudicada.

Conclusão

Ao fim deste artigo, fica evidente como o software da blockchain garante avanços no metaverso e se torna algo fundamental para esse meio[7]. A blockchain, apesar de surgir apenas como um meio de garantir a segurança em transferências de bitcoin[8], atualmente possui uma importância no mercado muito maior do que em sua criação, servindo para aplicação de contratos inteligentes e definição de direitos de propriedade em um espaço dotado de insegurança por ser uma novidade.

Assim, a plataforma não só impulsiona o mercado, mas também facilita a regulação do Direito sobre o metaverso, o que gera mais segurança jurídica e possibilita entender os remédios jurídicos adequados para conflitos vistos nesse meio, como o caso de estupro da mulher britânica. Por fim, à luz da Análise Econômica do Direito, as barganhas cooperativas, idealizadas pelo Teorema de Coase, são facilitadas garantindo uma alocação eficiente de recursos nas transações realizadas dentro do metaverso.


BETTINI, Lúcia Helena Polleti. Metaverso, direito e tecnologia: existe limite para o mundo virtual?. Consultor Jurídico , 2022. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2022-jul-14/polleti-bettini-metaverso-direito-tecnologia>. Acesso em: 18/10/2022

MENDONÇA, Julia; RIELLI, Mariana. Dados, regulação e fronteiras do metaverso: a urgência por parcimônia. Jota, 2022. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/dados-regulacao-e-fronteiras-do-metaverso-a-urgencia-por-parcimonia-10102022> . Acesso em: 17/10/2022.

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ULEN, Thomas; COOTER, Robert. Direito & Economia. Porto Alegre: Bookman, 5ª Ed., 2010

[1] RUAS, Matheus. Neymar vira colecionador de NFTs e compra duas artes por R$ 6,2 milhões. O Globo, 2022. Disponível em <https://oglobo.globo.com/esportes/neymar-vira-colecionador-de-nfts-compra-duas-artes-por-62-milhoes-25363 351>. Acesso em: 18/10/2022

[2] ULEN, Thomas; COOTER, Robert. Direito & Economia. Porto Alegre: Bookman, 5ª Ed., 2010

[3] VENINO, Eddy. Britânica relata caso de estupro no metaverso. Mundo Conectado, 2022. Dísponível em <https://mundoconectado.com.br/noticias/v/26103/britanica-relata-caso-de-estupro-no-metaverso-foi-real-e-pert urbador>. Acesso em: 18/10/2022

[4] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 9ª Ed.,1992, p.72.

[5] QUARMBY, Brian. Terreno em NFT do metaverso The Sandbox é vendido por quase R$600 milhões. Cointelegraph, 2021. Disponível em <https://cointelegraph.com.br/news/106m-worth-of-metaverse-land-sold-last-week-dappradar > . Acesso em: 18/10/2021

[6] PORTO, Antônio Maristrello ; GAROUPA, Nuno. Curso de Análise Econômica do Direito. Rio de Janeiro: Atlas, 2ª Ed., 2021, p.174.

[7] SILVA, Mariana Maria. Blockchain é essencial para o metaverso e a Web 3.0, diz Goldman Sachs. Exame, 2021. Disponível em: <https://exame.com/future-of-money/blockchain-e-essencial-para-o-metaverso-e-a-web-3-0-diz-goldman-sachs/> Acesso em: 19/10/2022

[8] O que é blockchain? Conheça a tecnologia que torna as transações com criptos possíveis. InfoMoney, 2022. Disponível em: <https://www.infomoney.com.br/guias/blockchain/>. Acesso em: 19/10/2022