Rollemberg: Governo quer aprovar projeto de mercado de carbono antes da COP 28

JOTA.Info 2023-06-23

O governo federal trabalha com um prazo curto para aprovar um texto que cria o mercado regulado de crédito de carbono. Em entrevista ao JOTA, o secretário de Economia Verde (SEV) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Rodrigo Rollemberg, sinaliza que a regulamentação possa ser a principal entrega do presidente Lula para a Conferência de Mudanças Climáticas da ONU, a COP 28, prevista para ser realizada em novembro nos Emirados Árabes.

O Executivo analisa se irá enviar uma nova proposta de autoria do governo ou se mantém uma articulação para incluir mudanças em textos já existentes no Congresso Nacional. É o caso do PL 412/22, atualmente no Senado Federal. A decisão ficará a cargo do núcleo político do governo.

A minuta é trabalhada por dez ministérios e cria um sistema regulado com limite de emissões, e a possibilidade de compensação de carbono acima destes valores, também conhecido como cap and trade. O limite para emissão sem necessidade de compensação, segundo a proposta inicial do governo, é de 25 mil toneladas  de CO² por ano. O agronegócio, segundo Rollemberg, deve, inicialmente, ficar de fora dos atores regulados.

O texto permite que atores que não são obrigatoriamente regulados possam participar da compensação de créditos de carbono através de um mercado voluntário. É onde devem entrar os sistemas de captura, armazenamento e uso de carbono, bem como os projetos de reflorestamento.

Rollemberg, que já foi deputado federal, senador e governador do Distrito Federal, avalia que a base instável do governo no Congresso não deve impedir a proposta de avançar. De acordo com ele, o texto do Executivo será consensuado com o setor privado. 

O secretário detalha, ainda, projetos para reindustrialização sob viés da bioeconomia. O tema é caro ao vice-presidente e ministro do MDIC, Geraldo Alckmin, cujo plano de recuperação do parque produtivo do país passa pelo incentivo à chamada ‘economia verde’. 

Leia a seguir a entrevista ao JOTA do secretário da SEV.

Como o governo pretende regular o mercado de crédito de carbono?

Esse é um tema que nos chamou atenção e que dedicamos bastante tempo a ele. Era uma uma reivindicação do setor industrial, especialmente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). Começamos a desenvolver aqui no MDIC, a partir dos três projetos que tramitam no Congresso: um na Câmara e dois no Senado. Constituímos uma minuta de um projeto único, conversando sempre com a CNI e com entidades representativas dos setores industriais intensivos em emissão de gases de efeito de estufa. Construímos uma primeira proposta, depois passamos a ter reuniões semanais no Ministério da Fazenda, reunindo dez ministérios. Concluímos uma proposta que, nesse momento, está sendo avaliada pelos jurídicos dos ministérios para ser submetida ao núcleo político do governo. O governo vai decidir se encaminha um projeto de lei, que eu acho que é o mais provável, ou se vai discutir com os relatores um substitutivo aos projetos já em tramitação.

Está descartada uma medida provisória?

Acredito que será decidido o núcleo político, mas não acho que seja MP. Eu apostaria mais em um projeto de lei do que qualquer outra alternativa.

Já existe data para essa entrega?

Não, não tem essa decisão. Mas eu faço uma previsão de que até o início de agosto a gente já tenha condições de ter esse projeto encaminhado ao Congresso. Porque a tendência é que, depois de passados pela área jurídica, ele fique numa consulta pública aí pelo prazo de uns 30 dias e em seguida vá ao Congresso. O que eu acho muito importante nessas próximas semanas é que a gente intensifique muito as conversas com o setor produtivo, todos os setores interessados para que ele chegue bastante consensuado no Congresso Nacional. Isso vai facilitar muito a tramitação e a aprovação. O objetivo é o presidente Lula ir pra COP[28] e levar esse projeto. Acho que se a gente chegar na COP com o mercado de carbono e com a regulamentação das eólicas, o Brasil vai chegar bem.

E a articulação política para o texto?

Veja bem, é por isso que essa parte política quem vai dar a condução é a articulação política do governo. O que eu acho importante é que os conceitos definidos estejam presentes. E é por isso que eu digo, esses conceitos estando consensuados com o setor produtivo, acho que não vai ter a menor dificuldade de aprovar, seja projeto de lei mandado pelo governo, seja a partir de um substitutivo apresentado. Eu não vejo muita dificuldade dele ser aprovado no Congresso. Não consigo identificar grandes resistências. Se o governo se dedicar e a gente tiver construído  uma posição consensuada com o setor produtivo, acho que a gente aprova rapidamente.

Quais são os conceitos importantes para o governo?

Os pontos essenciais e inegociáveis são o modelo de cap and trade com mecanismos de compensação e o valor de 25 mil toneladas de emissão de carbono ano [para se tornar um ente regulado]. Enfim, são questões que eu sinceramente não vejo, independente de posição política A ou B, grandes divergências ali.

O agronegócio apoia a proposta? Também será regulado?

Minha posição é que em todo lugar do mundo o agro, no primeiro momento, não é regulado. E eu acho que o agro pode ver no mercado de carbono uma grande oportunidade de entrar no mercado de compensação a partir do processo de reflorestamento, por exemplo.

Será um modelo híbrido regulado e voluntário?

O modelo foi sugerido pelo setor produtivo. É um modelo de definir limites de emissão e, a partir dali, cria um mercado no qual quem emite menos gera crédito. Quem emite mais tem que comprar esse crédito com a possibilidade de compensar parte disso no mercado voluntário. A regulamentação vai definir quando compensar, o mercado voluntário tem que adotar as mesmas metodologias de mensuração, de verificação do mercado regulado. Eu acho que isso abre uma outra grande oportunidade de desenvolvimento de outras tecnologias de captura de carbono. No mercado voluntário, vejo a possibilidade muito grande de crescimento dos processos de reflorestamento de áreas degradadas e também das tecnologias de captura e estocagem de carbono. Também vejo o Brasil como um grande [player], através da Petrobras especialmente, mas não só da Petrobras. Hoje já tem empresas privadas. Recebi aqui uma empresa de etanol de milho que muito em breve já vai começar a desenvolver essa tecnologia de junto com reflorestamento, o que ficaria no mercado voluntário.

Existem dados de impacto do potencial de investimento que as regulamentações podem trazer ao Brasil?

Tem um estudo da Câmara de Comércio Internacional em que eles estimam que o Brasil possa movimentar US$120 bilhões até 2030 no mercado de carbono, tanto na parte do setor regulado quanto na parte do voluntário. Na produção de hidrogênio, grandes empresas já solicitaram licença de instalação. E tanto o IBAMA quanto as empresas estão aguardando a regulamentação. Isso significaria investimentos de bilhões de dólares na produção de energia.

Há projetos na área de bioeconomia na secretaria? 

Estamos numa expectativa muito grande em relação ao Centro de Bionegócios da Amazônia (CBA), que é uma instituição criada há mais de 20 anos, mas sempre atuou de uma forma muito parcial. Mesmo porque, não tinha uma personalidade jurídica própria que permitisse, por exemplo, acessar os recursos P&D do Polo Industrial de Manaus. Agora, com nova personalidade jurídica, o centro pode ser gerido por uma OS [Organização Social]. Eu serei o presidente do conselho de administração da OS, que tem como finalidade desenvolver produtos e negócios a partir da biodiversidade da Amazônia. Tivemos uma reunião com a Pfizer e temos convidado empresas que trabalham com a produção de fármacos, de fitoterápicos, de alimentos a conhecerem o CBA numa expectativa de parcerias futuras. Estamos buscando uma articulação com as federações de indústrias, o Instituto Amazônia+21, que representa nove federações da Amazônia, com o SEBRAE e o Ministério do Meio Ambiente para desenvolver ações concretas de adensamento das cadeias produtivas na região para gerar produtos e negócios, gerar riqueza para as comunidades locais e a população de uma forma geral.

Há projetos de energia para a Amazônia?

Na produção de energia, acabei de receber a primeira audiência hoje (segunda-feira, dia 1/06) com representante do fundo de investimento da Arábia Saudita querendo investir em fábrica de placas solares e de acumuladores de energia na Zona Franca de Manaus. Para promover a descarbonização da Amazônia, ou seja, tem um universo de interesse que precisamos de regulamentação para deslanchar.

Qual o princípio por trás da ideia de reindustrialização?

Vejo uma oportunidade gigantesca para o Brasil promover uma neoindustrialização, a partir de uma indústria de baixo carbono, sustentada na transição energética. Eu vejo duas searas com muito futuro [hidrogênio verde e eólicas/fotovoltaicas]. Uma é da produção de hidrogênio de baixo carbono. Gosto de usar essa expressão para a gente não ficar, digamos assim, determinado por conceitos exteriores ao Brasil. Por exemplo, é a parte dos processos de eletrólise, especialmente no Nordeste brasileiro, a partir das eólicas e as [usinas] fotovoltaicas para produzir o hidrogênio. Com a perspectiva, no primeiro momento de exportação, especialmente para União Europeia, mas que nosso entendimento tem que ser utilizado para desenvolver o processo de desconcentração industrial. Ou seja, de desenvolvimento regional, atraindo a cadeia de suprimentos de aerogeradores, de eletrolisadores e também indústrias intensivas em energia, indústrias de aço, indústria de alumínio, indústria de cimento, que vão poder produzir com a pegada baixa de carbono.

O que seria a reforma do etanol?

Tenho muita convicção que o hidrogênio pode vir a ser associado à reforma do etanol, que pode ser uma solução muito boa para o transporte individual no Brasil, o transporte de uma forma geral porque nós já temos hoje toda uma cadeia logística de distribuição do etanol. Essas tecnologias estão sendo desenvolvidas e podem vir a ser uma solução para o Brasil no futuro.

Haverá política para estimular a produção do Combustível Sustentável de Aviação (SAF, em inglês)?

A produção do SAF tem mandatos na União Europeia, que obrigam as empresas a reduzirem muito as suas emissões na aviação mundial. Hoje tem uma utilização em torno de 100 milhões de litros de SAF, de combustível sustentável de aviação por ano, e dentro dos próximos anos vai chegar a 4 bilhões de litros. O país com grande capacidade de produzir isso é o Brasil. Já temos uma experiência muito grande de biocombustíveis e várias rotas possíveis para isso. O próprio etanol, a soja, a biomassa florestal têm diversas alternativas de produção de SAF.