Incertezas quantitativas na PEC 45 na modelagem da transição energética
JOTA.Info 2023-09-03
As iniciativas da PEC 45/2019 são louváveis para criar um sistema tributário sobre o consumo mais eficiente, justo e racional, principalmente por estarem imbuídas da tentativa de revitalizar o atual cenário de tantos conflitos e dissonâncias de ICMS, IPI, PIS, Cofins e ISSQN. Já diria A. A. Becker que de tanta irracionalidade no sistema só resta a tanga aos contribuintes, os quais sobrevivem com a fé e a esperança na mudança deste estado de coisas[1].
Muito embora tenha havido a assunção de compromissos políticos com a reforma tributária, o que causou espanto foram os passos galopantes em que o IBS e a CBS tiveram sua discussão na Câmara dos Deputados. O problema não está na reforma em si, porém no tempo de sua condução. A ruptura do sistema tributário atual era um anseio geral, mas como desligar o passado e ligar o futuro tão abruptamente?[2]
A pretensão deste artigo é vincular o presente com o futuro em relação à maneira pela qual a reforma tributária impactará na transição da matriz energética brasileira, a qual passará a utilizar mais fontes renováveis (valendo-se de energia hídrica, eólica, geotérmica, solar, biomassa e de ondas e marés) do que não renováveis.
É importante demarcar que o Brasil é signatário, desde 2015, da Agenda 2030 da ONU, tendo firmado o compromisso, em conjunto com outros países, para alcançar 17 Objetivos de Desenvolvimento Social (ODS), a fim de que haja uma melhor sociedade para as gerações futuras.
Dentre estes objetivos, o ODS 7 representa o asseguramento para acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todas e todos. Até 2030, os países possuem a obrigação de aumentar substancialmente a participação de energias renováveis na matriz energética, com a expansão da infraestrutura e modernização da tecnologia para o fornecimento de serviços de energia modernos e sustentáveis.
Ponto fulcral é a intenção do Estado em promover as cadeias de transição energética, já considerando o Pano de Transição Ecológica (PTE), e o peso dos tributos torna-se fator importante à guinada desta revolução, uma vez que os tributos são modeladores dos comportamentos dos contribuintes, seja mediante a oneração (tal qual ocorre com a indústria tabagista), seja com a desoneração (tal qual ocorre com diversos incentivos fiscais que atingem a indústria energética).
Volta-se a um olhar focal para os dias atuais em que se conjugue a PEC 45 com o pacto de sustentabilidade da matriz energética industrial brasileira. O alerta feito – porém ele se torna cabível para todos os outros setores – refere-se ao tamanho desta carga tributária vindoura com a atual. A projeção da alíquota efetiva do IBS e da CBS sobre este setor tão promissor é uma penumbra matemática para todos os players.
E este é um setor que depende altamente de investimentos estrangeiros para que haja a implementação no Brasil, vide o hidrogênio verde cujo know how é proveniente da Alemanha. O peso dos tributos nestas projeções é determinante para a criação de métricas para o custo de capital, desempenho do negócio, valor de caixa e fluxos de caixa.
É importante relembrar que o governo federal teve a oportunidade de mostrar as projeções da PEC 45/2019 sobre o setor de energias renováveis, à época das audiências no Congresso Nacional, em 17 de maio de 2023, contudo nenhum estudo foi ofertado naquele momento.
Somente em 8 de agosto o Ministério da Fazenda apresentou o estudo das alíquotas padrão do IBS e da CBS projetadas com base na metodologia do Tax Gap, fazendo uma análise econômica entre o potencial arrecadado e aquele que idealmente poderia ser arrecadado. Embora o Tax Gap seja ferramenta bastante utilizada em pesquisas, os métodos propostos ou implementados têm sido objeto de críticas severas em função de ignorar a resposta comportamental dos contribuintes à legislação tributária[3].
Dois pontos merecem a atenção daquele estudo: (i) as alíquotas projetadas auxiliam na indicação das métricas das empresas, porque existe uma “previsão” do que será o ordenamento jurídico no futuro. Este é uma situação positiva na divulgação, muito embora ela tenha sido criada por uma pressão do Senado; e (ii) a situação negativa é que o Senado já apontou que haverá alterações nos textos da PEC 45, então a projeção que representava uma “previsão” se torna uma incerteza imensurável Knightiana[4], na qual se falta qualquer conhecimento quantificável sobre alguma possível ocorrência (só é possível fazer uma “estimativa da estimativa”).
A crítica é que o cálculo econômico jamais fora discutido em conjunto com o texto que estava em votação, considerando as galopantes mudanças textuais de um dia para outro. Ou seja, ainda existe um enigma matemático nas alíquotas do IBS e da CBS, no sentido de multiplicar um percentual “x” projetado sobre o valor das bases. De qualquer forma, o montante continua sendo indeterminado, aguardando que se compreenda, juridicamente, o fato ter se identificado com a norma, o que deixaria a abstração da fórmula matemática de lado[5].
Será que as alíquotas do IBS e da CBS não poderiam ter sido projetadas em alguns cenários concretos, tal qual a evidenciação do comportamento da não cumulatividade plena? Esperava-se que situações práticas que estão na PEC 45, aliando-se técnicas jurídicas em uma cadeia específica, pudessem conferir alíquotas mais “concretas” (tome-se o setor de infraestrutura como exemplo, e a Receita Federal deve possuir estes números e a lógica da cadeia).
Se tomarmos a energia limpa, poderia haver uma dificuldade inicial de compreender a estrutura da cadeia do hidrogênio verde, créditos de carbono e as energias eólicas em offshore, porque carecem de regulamentação. Contudo, um exemplo não se poderia ter dado sobre o impacto tributário à biomassa, que é um caso totalmente factível.
Não se pode criar uma incongruência e contingência fiscal que será deixada para as futuras gerações, principalmente no que tange à temática da sustentabilidade e lembrando que boa parte da estrutura normativa da PEC 45 ficará sujeita à Lei Complementar (noutra incerteza).
Compreender qual será o peso do IBS e da CBS na transição da matriz energética é fundamental, pois, se o debate não for entrelaçado com a criação de uma política fiscal de energia limpa, serão anos de discussão e um arrastamento de uma implementação que deixará o Brasil perder uma oportunidade global (mais uma incerteza).
Da maneira avassaladora como a Reforma Tributária não tem sido discutida, o presságio de Becker sobre o naufrágio fiscal deve ser relembrado, porque, se a tributação alcançar as tangas dos contribuintes, daí estarão perdidas a fé e a esperança. E, certamente, as tangas serão alcançadas pelo IBS e pela CBS, porque elas não deixam de ser bens, porém ainda não se sabe qual é a sua alíquota efetiva. Até o presente momento, os projetados e descrentes contribuintes estão de fato desnudados.
[1] Cf. Carnaval tributário. 2 ed. São Paulo: LEJUS, 1999, p. 15.
[2] OST, François. O tempo do direito. Tradução Élcio Fernandes: revisão técnica Carlos Aurélio Mota de Souza. Bauru, São Paulo, Edusc, 2005, passim.
[3] GEMMELL, Norman; HASSELDINE, John. The tax gap: a methodological review. Emerald Group Publishing Limited, Vol. 20, pp. 203–231., 2012.
[4] KNIGHT, F. Risk, uncertainty and profit. Houghton Mifflin, 1921.
[5] BARRETO, Aires. Base de cálculo e alíquota e princípios constitucionais. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 57.