Iniciativa Lula-Biden em defesa da classe trabalhadora vem em boa hora

JOTA.Info 2023-09-25

Em sua última visita aos EUA, na semana que passou, o presidente Lula celebrou importante iniciativa diplomática conjunta com o líder americano, denominada “Parceria em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores”. Este acordo tem como meta colocar os direitos das classes trabalhadoras no centro dos debates em fóruns internacionais mundiais, como o G20, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a COP 30, entre outros. Os objetivos essenciais do acordo são o combate às novas formas de exploração dos trabalhadores, o fim do trabalho infantil e das discriminações no local de trabalho, além de mais atenção aos efeitos da transição para a economia verde sobre os mercados laborais.

Este é o tipo de acordo que corre o risco de ficar apenas no plano da retórica e das belas declarações de boas intenções dos líderes políticos, se não se transformarem em políticas concretas. Sou, contudo, otimista, apenas pelo potencial da mensagem que este acordo envia.

Nos últimos anos, setores patronais retrógrados de nosso país que patrocinaram a malsinada reforma trabalhista e que continuam atuando com muita força por meio de pesados lobbies no Congresso e no STF têm argumentado que o Brasil deveria seguir o “modelo flexível” da legislação trabalhista americana. Ao assinar o compromisso de defesa dos direitos dos trabalhadores com Lula, Biden reconhece que o enfraquecimento de sindicatos e a precarização do trabalho são problemas graves que afetam inclusive os EUA, que assim não devem ser considerados um modelo regulatório a ser copiado em matéria trabalhista.

Em sua gestão, Biden tem criticado duramente o modelo sindical americano, por ser excessivamente permissivo a ações antissindicais de empregadores. Ele propôs no início de seu mandato uma ampla reforma do National Labor Relations Act, que daria maior poder de barganha às entidades sindicais, porém a medida não tem progredido na Câmara dos Deputados, devido à resistência da maioria dos republicanos.

De toda forma, Biden aproveita o bom momentum do movimento sindical americano, que tem assistido a uma série de movimentos grevistas bem-sucedidos, como o do Sindicato dos Roteiristas e Atores de Hollywood e dos Trabalhadores da Indústria Automotiva. Mas o fato é que Biden enfrenta um cenário político adverso no Congresso para passar legislação protetiva para os trabalhadores americanos, sem falar nas decisões da Suprema Corte, que, com supermaioria conservadora, tem orientado sua jurisprudência trabalhista para uma posição descaradamente “pro-business”.

Aqui no Brasil, Lula, que tanto se orgulha de suas origens sindicais, ainda patina em suas iniciativas trabalhistas. A prometida legislação para proteger os trabalhadores de transporte por aplicativo não obtém o mínimo consenso dentro do próprio governo, que se mostra incapaz de engajar os trabalhadores interessados. A propalada legislação para fortalecer o sistema de financiamento sindical permanece obscura e não aparenta ser uma prioridade a ser encaminhada ao Congresso, onde certamente enfrentará dura resistência. Aliás, durante a campanha eleitoral, o presidente prometeu uma “revisão” da reforma trabalhista, mas desde a posse não se houve mais falar no assunto.

Outro ponto que chama a atenção na parceria Lula-Biden é o foco no impacto que a transição para a economia verde trará para os trabalhadores de setores tradicionais como o automotivo.

O presidente americano tem defendido incentivos tributários para os carros elétricos, vistos com muita desconfiança pelos trabalhadores da indústria automotiva tradicional, temerosos de perderem empregos. O poderoso United Auto Workers Union, que tem laços históricos com o Partido Democrata, tem sido crítico à gestão de Biden por essa aposta enfática na energia limpa e ainda não endossou, até o momento, sua candidatura à reeleição. Aqui no Brasil, infelizmente, o tema está totalmente ausente do debate público, onde já deveríamos estar discutindo, por exemplo, como a energia limpa impactará os trabalhadores da Petrobras e de outros setores ligados aos combustíveis fósseis.

Seja aqui, nos Estados Unidos e em quase todo o mundo, os tempos continuam bicudos para o Direito do Trabalho. A iniciativa Lula-Biden serve pelo menos para lembrar que estamos vivendo transformações econômicas radicais cuja consequência mais imediata é a precarização das condições laborais e a insegurança da classe trabalhadora. Como disse o presidente americano no encontro com o líder brasileiro, “as duas maiores democracias do hemisfério ocidental se posicionam a favor dos direitos humanos em todo o mundo, e isso inclui os direitos dos trabalhadores”. É uma mensagem oportuna, necessária e urgente.