STF: União deve pagar a Luislinda Valois valores descontados por abate-teto

Consultor Jurídico 2020-07-01

A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a União deve ressarcir Luislinda Valois, ex-ministra de Direitos Humanos e desembargadora aposentada, por valores descontados de seu salário em razão do teto constitucional. 

Valois, desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA), entrou na Justiça porque a União descontou R$ 490.207,76 em razão do abate-teto, nos períodos em que ocupou os cargos de Secretária Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e de ministra de Direitos Humanos, entre junho de 2016 até fevereiro de 2018. Nos anos em que exerceu as funções, o teto constitucional estava fixado em R$ 33.700.

Por unanimidade, foi negado agravo regimental interposto pela União, e mantida decisão do ministro Alexandre de Moraes no Recurso Extraordinário (RE) 1.264.644. 

Na origem, Valois ajuizou ação contra a União alegando os descontos, e narrou que deveria receber, pelo cargo de Secretária Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, salário de R$ 15.075,79 e, pelo cargo de ministra de Direitos Humanos, a quantia de R$ 30.934,70. Só que ela já recebia, a título de aposentadoria como desembargadora, salário bruto de R$ 30.471,10. Na época, o teto constitucional era de R$ 33.700,00, então todos os meses ocorriam descontos dos valores que excediam esse limite. Valois foi defendida pelo advogado Cristiano Pinheiro Barreto.

Assim, entre agosto de 2016 a janeiro de 2017, foram abatidos R$ 76.959,44; e, entre fevereiro de 2017 a fevereiro de 2018, foi abatido o valor de R$ 389.832,77. Somados, chegam ao total de R$ 466.792,21, corrigidos, chegaria a R$ 490.207,76. 

Na primeira instância, o pedido de Luislinda prosperou. O juiz entendeu que os descontos gerariam enriquecimento sem causa da União, desestimulariam a acumulação de cargos permitida pela Constituição, com prejuízo à eficiência administrativa, e provocaria situações contrárias ao princípio da isonomia, já que conferiria tratamento desigual entre servidores públicos que exercem idênticas atribuições.

A União não recorreu, mas mesmo assim os autos subiram ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), devido à remessa necessária. O TRF5 então mudou a decisão de primeira instância, sob o entendimento de que as funções que foram exercidas pela autora não podem ser acumuladas com proventos de aposentadoria, pois a Constituição Federal veda a acumulação de cargos pela magistratura, salvo para o exercício de magistério. 

A ex-ministra de Direitos Humanos então acionou o STF por meio de recurso extraordinário, alegando inclusive desrespeito à jurisprudência pacífica do Supremo no sentido da possibilidade de acumular salários de funções públicas. 

Em abril de  2020, o ministro Alexandre de Moraes, relator, concedeu liminar para dar provimento ao recurso. Para o ministro, o TRF5 não só confundiu os institutos da aposentadoria com disponibilidade, “como, simplesmente, ignorou as decisões do Supremo Tribunal Federal prolatadas em sede de repercussão geral”. 

“O Tribunal de origem, ao equiparar os institutos da aposentadoria com o da disponibilidade, deu interpretação absolutamente errônea ao art. 95, parágrafo único, inciso I, da Constituição Federal, onde se lê ser proibido aos magistrados ‘exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério’. Absolutamente errônea, tanto lógica e jurídica, quanto empiricamente, por demonstrar total ignorância, entre outros casos, por exemplo, de que o ex-presidente do STF, ministro Nelson Jobim, após se aposentar, exerceu o cargo de Ministro da Defesa”, disse Moraes em sua decisão. 

“A razão subjacente de um juiz não poder exercer outro cargo ou função, salvo uma de magistério, ainda que em disponibilidade, reside no fato de que, quando colocado nessa condição, seja porque foi punido ou por estar aguardando lotação em alguma comarca, ele não se despe da função de juiz. Dessa forma, o exercício simultâneo de um cargo de confiança de livre nomeação é incompatível com seus deveres funcionais. Situação bem diversa é aquela em que o magistrado já está aposentado”, continuou o ministro. 

Para o ministro, o TRF5 também afastou de maneira errônea a aplicação dos precedentes vinculantes dos Temas 377 e 384 do STF, ao considerar que a situação verificada no caso concreto não foi abrangida naqueles paradigmas. Para Moraes, é “nítida a estrita aderência dos leading cases com a hipótese dos autos”. 

Isso porque, no RE 602.043 (tema 384) e no RE 612.975 (tema 377), o plenário fixou a seguinte tese de repercussão geral: “Nos casos autorizados constitucionalmente de acumulação de cargos, empregos e funções, a incidência do art. 37, inciso XI, da Constituição Federal pressupõe consideração de cada um dos vínculos formalizados, afastada a observância do teto remuneratório quanto ao somatório dos ganhos do agente público.”

Moraes enfatizou que os fundamentos lançados naquela ocasião “servem perfeitamente ao caso ora em análise, pois em ambas as hipóteses haverá a possibilidade de acumulação de proventos de aposentadoria com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, respeitando-se, porém, o limite do teto salarial do funcionalismo público para cada um dos valores”, ou seja, tanto para os proventos de aposentadoria, quanto para os subsídios/vencimentos do novo cargo.

A União agravou a decisão de Moraes, e o agravo foi submetido a julgamento por meio do plenário virtual da 1ª Turma. Em sessão finalizada na última sexta-feira (26/6), todos os cinco ministros da turma votaram por negar o agravo e manter a decisão de Moraes.