Quais os impactos trabalhistas trazidos pela nova Lei de Licitações?
Consultor Jurídico 2021-04-16
Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto “Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor!”dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA, sob a Coordenação Acadêmica do Professor de Direito do Trabalho e Mestre nas Relações Trabalhistas e Sindicais, Dr. Ricardo Calcini.
O projeto tem periodicidade quinzenal, cujas publicações são veiculadas sempre às sextas-feiras. E a você leitor que deseja ter acesso completo às dúvidas respondidas até aqui pelos professores, basta acessar o portal com a # pergunte ao professor.
Neste episódio de nº 55 da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte:
Pergunta ► Quais os impactos trabalhistas trazidos pela nova Lei de Licitações?
Resposta ► Com a palavra, o Professor Jair Aparecido Cardoso[1].
No dia 1º de abril foi publicada no Diário Oficial a Lei nº 14133/2021 para tratar das licitações e dos contratos administrativos. O assunto, como veremos, não é novo, mas objetiva trazer nova roupagem ao tratamento da contratação administrativa em todos os níveis dos entes federativos. A lei tem o escopo de disciplinar questões de ordem administrativa, todavia, esbarra em diversos outros aspectos, como o trabalhista, por exemplo. Eis, então, a motivação desta reflexão: quais os impactos trabalhistas trazidos pela lei de licitações?
Vamos enfrentar rapidamente este tema, entretanto, de início, se faz necessário destacar que a nova lei, além dos aspectos trabalhistas, também esbarra no aspecto processual trabalhista.
Abordando o tema de forma geral, curioso destacar que por motivar questões de ordem administrativa direta, nos órgãos federais, estaduais e municipais, suas autarquias e fundações, o legislador adotou postura não muito usual, ao trazer em seu artigo 194, que a lei entrou em vigência na data de sua publicação, ressalvando, todavia, no inciso I artigo 193 – a revogação imediata dos arts. 89 a 108 da Lei nº 8.666/93, mantendo por dois anos sua vigência, além da Lei nº 10.520/02, e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.46211. Neste cenário, pelo período de dois anos, teremos a vigência de duas leis de licitação e contratos administrativos.
Será um período de adaptação e transição administrativa, de tal sorte que, dependendo da opção da Administração Pública, a Lei nº 14.133/21 só causará impacto após dois anos de sua vigência, com exceção dos artigos por ela expressamente revogados, e dos inseridos nos códigos de processo civil e penal.
Desta assertiva decorre a conclusão de que os contratos celebrados nos próximos dois anos, com base na Lei nº 8.666/93, até suas conclusões, será aplicado a legislação editalícia e seus reflexos, e, lado outro, para os contratos celebrados com base na nova diretriz normativa, serão aplicadas as novas regras. A situação poderá ser tomentosa, dependendo da opção da Administração Pública.
O objetivo aqui, decerto, não é discutir as questões de ordem administrativa, e sim trabalhista, e nesta quadra o que se percebe é que a nova lei trouxe para o seu amago as assertivas já pacificadas pela doutrina e jurisprudência a respeito da responsabilidade do Estado com relação a questão de ordem trabalhista.
A questão é densa e o espaço aqui é reduzido para abordá-la, mas necessário se faz destacar alguns apontamentos históricos.
A questão não é nova, afinal, o Decreto-Lei 200/67, em seu artigo 10, já trazia a assertiva de que o Estado deveria descentralizar seus serviços, com o objetivo de manter a máquina administrativa menos onerosa[2].
À época, utilizou-se a expressão “descentralização”, mas, na verdade, enquanto no setor privado discutia-se a possibilidade da terceirização, por não haver legislação específica para tal mister, no setor público a terceirização era uma obrigação legal. E qual a razão disso? O objetivo era manter a máquina administrativa enxuta e, por esta razão, as demais tarefas não ligadas a administração direta deveriam ser terceirizadas. Embora o objetivo legal fosse plausível, o tempo mostrou que tal opção tinha problemas, quando passa a ser discutido no Poder Judiciário a responsabilidade do Estado com relação a inadimplência do contratado com relação às questões de ordem trabalhista.
Algumas consequências já eram diretas pela inexecução do contrato, mas as trabalhistas tinham que passar pelo crivo da Justiça Especializada, a qual, numa visão diferente da ótica administrativa, desenvolveu a teoria da responsabilização do Estado pelos passivos trabalhistas não adimplidos pela Contratada da Administração Pública. Nesse passo, veio a Lei nº 8.666/93 com o objetivo de atualizar as disposições sobre as licitações e contratos administrativos, trazendo no seu artigo 71 a assertiva de que o contratado era responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato com a administração pública[3].
Na medida em que a legislação se atualizava, a doutrina e a jurisprudência também marcavam seus passos. Por esta razão o Tribunal Superior do Trabalho (TST), por meio da súmula 331, revendo a posição anteriormente adorada por meio da verbete sumular 256, estabeleceu, em seu item IV, que não pagamento das obrigações trabalhistas implicava responsabilidade para o tomador dos serviços, inclusive aos órgãos da administração pública[4]. No evoluir do assunto, foram alteradas as redações dos parágrafos 1º e 2º do art. 71 da Lei nº 8.666/93, que passaram, por meio da Lei nº 9.032/95, a ter a seguinte redação:
- 1oA inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.
- 2oA Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.
Isso forçou que o TST também revisse sua posição sobre o tema, de tal sorte a alterar as sumula nº 331, criando-se o item V com a seguinte redação.
Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
Esse esforço histórico é para demonstrar que o assunto rondava com frequência os corredores da Justiça do Trabalho diante da incidência de situações de inadimplência dos direitos trabalhistas dos empregados das terceirizadas.
O assunto, pela sua relevância, chegou ao Supremo Tribunal Federal que, em 16 de abril de 2017, fixou o tema de repercussão geral nº 246, com a seguinte redação: “O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 866/93.”.
Fixou-se, portanto, o entendimento de que a responsabilidade da Administração Pública, para atender ao princípio teleológica da lei, só decorreria em razão de sua inércia em fiscalizar os serviços contratados.
A Lei nº 14.133/21, veio ratar do assunto em seu art. 121, que na verdade apenas traz para o corpo legislativo o entendimento construído por meio da doutrina e jurisprudência, ao destacar em seu “caput” que somente o contratado será responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato. Nesse sentido houve um pequeno avanço redacional, merecendo nota, todavia, os seus parágrafos. Diz, por exemplo, o parágrafo segundo do mencionado dispositivo, que a Administração Pública terá responsabilidade subsidiária trabalhista somente em caso de comprovada falha na fiscalização do cumprimento das obrigações do contrato[5].
Diversas críticas poderiam ser tecidas a disposição de tal dispositivo normativo, mas a mais curiosa é aquela que atribui responsabilidade solidária da Administração Pública pelos encargos previdenciários, e subsidiária pelos encargos trabalhistas, se comprovada falha na fiscalização. Além do aspecto do legislador menosprezar o valor do trabalho humano, em detrimento dos encargos previdenciários, cria-se uma situação processual complicada a respeito do ônus da prova em relação a tal mister, assunto que, dada a sua densidade, trataremos em outra oportunidade.
Outro aspecto é que o dispositivo aborda a contratação de serviços contínuos em regime de dedicação exclusiva de mão de obra. A nova lei, em seu artigo 6º, traz um elenco de definições, e em seu inciso XVI dispõe o que são os serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, embora não com a necessária clareza que se esperada do legislador.
De toda sorte, este será seguramente mais um assunto em que a doutrina e jurisprudência terão que se debruçar, considerando que, em que pese a boa vontade do legislador, ainda não restou clara a amplitude da definição.
Por outro lado, existem outras definições, tais como serviços não contínuos ou contratados por outros tipos de serviço, os quais também poder ser terceirizados. A expressão “exclusivamente”, contida no parágrafo segundo, seguramente trará outras discussões a respeito da responsabilidade do Estado. Neste particular, penso que a previsão do §1º do art. 63 traz importante evolução nesse sentido, ao prever que como condição para habilitação da contratada está a obrigatoriedade da declaração de que nos custos trabalhistas estão previstos na proposta[6].
É evidente que existe uma longa distância entre o orçado e o executado, assim como existe também entre o previsto e o executado, mas, doravante, com a responsabilidade de fiscalização pela Administração Pública, esta declaração poderá ser uma boa solução, sob pena de improbidade do gestor público.
Caminhou bem, todavia, a normatização da obrigação da Administração Pública em fiscalizar o serviço, conforme normas instituídas pelo art. 104 e 117[7]. Para tal mister, deve ser destacado a previsão dos incisos do parágrafo 3º do art. 121, os quais conferem poderes para a Administração Pública tomar algumas medidas de exigir calção, fiança, ou seguro, além de condicionar o pagamento, e, até mesmo, efetuar o pagamento diretamente aos empregados da contatada. Tal assertiva, aliada à ampla liberdade de fiscalização, trará seguramente novas perspectivas de tratamento na responsabilidade da Administração Pública com relação aos direitos trabalhistas dos empregados das contratadas, em que pese a previsão legal de responsabilidade subsidiária.
Como se vê, a preocupação com o social não foi a tônica da nova lei, que se preocupou em modernizar as licitações e contratos administrativos, o que não era sem tempo, se resguardando, o que é bom, dos riscos provenientes dos certames públicos. O único ponto de relevo social que podemos destacar é a previsão do art. 116, com relação a reserva de cargos para pessoas com deficiência, para reabilitados da previdência social e para aprendiz, além de outras normas especificas. Entendemos que este aspecto foi um avanço legislativo, quiçá seja efetivado[8].
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[2] Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada. (…). § 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução. (…)
[3] Redação original do art. 71 da lei 8.666/93. Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato. § 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos estabelecidos neste artigo, não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. § 2º A Administração poderá exigir, também, seguro para garantia de pessoas e bens, devendo essa exigência constar do edital da licitação ou do convite.
[4] O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).
[5] § 2º do art. 121. Exclusivamente nas contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, a Administração responderá solidariamente pelos encargos previdenciários e subsidiariamente pelos encargos trabalhistas se comprovada falha na fiscalização do cumprimento das obrigações do contratado.
[6] § 1º Constará do edital de licitação cláusula que exija dos licitantes, sob pena de desclassificação, declaração de que suas propostas econômicas compreendem a integralidade dos custos para atendimento dos direitos trabalhistas assegurados na Constituição Federal, nas leis trabalhistas, nas normas infralegais, nas convenções coletivas de trabalho e nos termos de ajustamento de conduta vigentes na data de entrega das propostas.
[7] Art. 104. O regime jurídico dos contratos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, as prerrogativas de…) III – fiscalizar sua execução; Art. 117. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por 1 (um) ou mais fiscais do contrato, representantes da Administração especialmente designados conforme requisitos estabelecidos no art. 7º desta Lei, ou pelos respectivos substitutos, permitida a contratação de terceiros para assisti-los e subsidiá-los com informações pertinentes a essa atribuição. § 1º O fiscal do contrato anotará em registro próprio todas as ocorrências relacionadas à execução do contrato, determinando o que for necessário para a regularização das faltas ou dos defeitos observados.
[8] Art. 116. Ao longo de toda a execução do contrato, o contratado deverá cumprir a reserva de cargos prevista em lei para pessoa com deficiência, para reabilitado da Previdência Social ou para aprendiz, bem como as reservas de cargos previstas em outras normas específicas.