ASG/ESG: dos consumidores aos investidores

Consultor Jurídico 2021-04-21

A proteção do meio ambiente tem se revelado uma das preocupações centrais na atualidade. Desde o início da difusão da temática, há pelo menos cinquenta anos, o tema se converteu de uma idiossincrasia de cientistas e ativistas em um assunto geral, de modo a ocupar as primeiras linhas dos programas políticos e reorientar a compreensão social e econômica do mundo em que vivemos.

Talvez uma das áreas em que se perceba de maneira mais imediata a ampla latitude das sensibilidades ambientais é a dos bens e serviços voltados aos consumidores. Em alguns segmentos é quase impossível não se defrontar com uma verdadeira miríade de produtos verdes ou intitulados sustentáveis; alguns dos quais meramente autointitulados e desmerecedores do epíteto. Por isso, já há décadas, surgiram sistemas de certificação e rotulagem voltados a dar maior transparência e segurança aos compradores interessados em contribuir com causas sociais e ambientais. Uma parte da informação ao consumidor é garantida oficialmente a partir de regras consumeristas e sanitárias, inclusive mediante considerável regulação das embalagens. Mas o foco no meio ambiente é predominantemente contemplado por certificações e selos autorizados por instituições não governamentais e por empresas privadas especializadas, os chamados padrões privados. É o que ocorre com os certificados ambientais e sociais da International Organization for Standardization (ISO), Forest Stewardship Council (FSC), EarthCheck, Fair Labor Association (FSA), GlobalGAP e muitos outros, além de padrões específicos das próprias empresas[1].

Há várias metodologias de certificação, algumas envolvem não apenas a verificação dos efetivos procedimentos e fluxos da empresa ou processo certificado, mas a composição das cadeias de fornecimento. Dado o fato de a sensibilidade ambiental estar localizada no consumidor final, mas ser menos aguda na cadeia de insumos e bens de capital, é importante incorporar às exigências para a obtenção do selo ou certificado a atenção a fases produtivas anteriores.

As empresas privadas, por sua vez, podem passar a se interessar na elevação e manutenção de padrões ambientais e sociais até o patamar das tecnologias e parâmetros adotados em sua composição e processos. Isso porque a generalização de padrões elevados pelos fornecedores no seu setor facilita o cumprimento de exigências referentes aos insumos que utiliza. Além disso, como a empresa já incorporou um padrão alto, ela passa a ter interesse na exigência formal de padrões similares a seus concorrentes de modo a reduzir vantagens competitivas de empresas “sujas”.

Curiosamente, em termos de pressão sobre a regulação pública, há interesses em direções contrapostas. Por um lado, empresas impulsionam as races to the bottom, pois países que adotem padrões ambientais e sociais baixos podem vir a receber em seu território atividades produtivas banidas alhures. Por outro lado, empresas globais tendem a promover races to the top, pois, como visto há pouco, se beneficiam da adoção dos critérios e métodos que já utilizam como padrão mínimo para os setores em que atuam.

No campo do consumo consciente, portanto, observa-se que a estrutura da certificação ambiental envolve atores da sociedade civil e do setor privado como vetores de pressão para o estabelecimento de critérios públicos formais, os quais, não obstante, muitas vezes são menos exigentes que os adotados pelas organizações não governamentais e agências certificadoras.

O aparecimento relativamente recente de fundos de investimento ambientais, sociais e de governança (ASG, ou Environmental, Social and Governance – ESG pela denominação em inglês) coloca novas e interessantes questões. Particularmente, esses fundos, preocupados em oferecer aos investidores a atenção ao meio ambiente, ao bem-estar da sociedade e a padrões de governança corporativa, chamam a atenção para uma mudança significativa de estrutura dos movimentos de criação, verificação e divulgação dos padrões, como se verá adiante.

Com efeito, existe um forte paralelo entre o consumidor e o investidor com preocupações ambientais – ambos têm um interesse primário na qualidade do objeto de sua opção: o bem adquirido deve satisfazer a necessidade de consumo (por exemplo, o café socialmente correto deve ter um bom sabor) e o fundo no qual se investe deve ter boas condições de desempenho (pode ser ambiental, mas deve remunerar bem o investidor). Nos dois casos as preocupações ambientais e sociais são, para a imensa maioria dos consumidores e investidores, secundárias, ou seja, agregam valor, mas se custarem muito mais por isso, serão relegadas ao esquecimento.

Esse caráter secundário se torna ainda mais relevante em razão da imensa dificuldade em se obter e organizar a informação a respeito do comprometimento com o meio ambiente, a sociedade e a própria governança corporativa. Particularmente no que se refere a meio ambiente, é muito difícil encontrar indicadores quantitativos de qualidades ambientais, inclusive em razão da diversidade de variáveis e dimensões: mudanças climáticas, tratamento de resíduos, uso da água, biodiversidade, desmatamento, uso da terra e assim sucessivamente. Por fim, as dimensões ambientais têm importância muito variável de setor para setor: a importância do uso da terra e da água é grande para o agronegócio, o aquecimento global, para o setor de petróleo e gás e químico, o uso de formas alternativas de energia, para o automotivo, para dar alguns exemplos.

No campo social e de governança, embora talvez com menos variáveis e diferenças setoriais, essas dificuldades reaparecem. Por isso, assim como o consumidor, o investidor tem consideráveis obstáculos para compreender o quanto e de que modo um determinado fundo ASG efetivamente gera impactos sobre a realidade ambiental e social.

Ao contrário dos bens de consumo, porém, os fundos ASG não contam com selos e agências certificadoras. Em princípio, a confiança na instituição administradora é que dá respaldo às escolhas. Deste modo, agências e metodologias de classificação (ranking) passam a ser mais relevantes e, pelo que se observa até o presente, estão concentradas no próprio setor de finanças e, portanto, potencialmente viciadas por loopings de autorregulação.

Com efeito, ao contrário do que se pode observar na estruturação das certificações e selos voltados ao mercado do consumo, as relações do setor privado com a sociedade civil organizada e os Estados parece ser menos relevante. Talvez a presença de atores estatais e não governamentais venha a se fazer sentir em um futuro não muito distante; talvez até isso surja na forma de denúncias a respeito de fundos ASG que tragam, embutidos e fora da vista dos demais, problemas sérios nos campos ambiental e social. Se e quando isso ocorrer, não será apenas um fundo a ser afetado, mas todos os milhares de produtos financeiros voltados a esse perfil.

Nesse sentido, a participação de organizações internacionais clássicas, compostas por Estados mediante criação por tratado constitutivo, e organizações não governamentais poderá ser de grande importância. Os padrões privados continuarão a ser importantes e terão mais impacto nos fundos ASG. Por fim, a regulação estatal unilateral deve ser vista com alguma cautela, até porque poderá trazer, disfarçadas, barreiras comerciais discriminatórias.

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