Diversidade nas contratações administrativas: novidades da Lei nº 14.133/2021
Consultor Jurídico 2021-06-02
Em abril de 2021, foi sancionada a Lei nº 14.133/2021, que substitui a antiga Lei de Licitações (Lei nº 8.666/1993). Para além do impacto significativo provocado no meio acadêmico, é preciso chamar atenção para um novo e fundamental aspecto trazido pela nova lei, relacionado ao incentivo à diversidade nas empresas que contratam com o Estado.
Por meio do artigo 116, a Lei nº 14.133/2021 determina que todas as empresas contratadas pelo Poder Público atendam às exigências de reserva de cargos para pessoas com deficiência (PCDs), para pessoas reabilitadas da Previdência Social e para outros grupos beneficiados por previsão legal ou outras normas específicas [1].
Trata-se de uma evidente ação afirmativa[2], que resultará no aumento da diversidade dos recursos humanos de empresas que pretendem ganhar notoriedade por meio de um contrato firmado com as administrações brasileiras.
Em termos lógicos e de estrutura de redação, a ação afirmativa representa uma evolução da regra de margem de preferência constante da Lei nº 8.666/1993, que estabelecia vantagens a certas classes de produtores e fornecedores em processos licitatórios, com o intuito de estimular a contratação de PCDs por parte das empresas privadas (artigo 3º, § 5º, inciso II).
Por meio da antiga regra, o fato de uma sociedade empresária comprovar o cumprimento de reserva de vagas para PCDs poderia ser utilizado como critério de desempate entre as propostas apresentadas no certame (art. 3º, § 2º, inciso V).
Com a nova lei, a discussão sobre reserva de vagas alcança outro patamar. Mais do que um mero critério de desempate, a reserva de vagas para PCDs é considerado um requisito de habilitação dos interessados na licitação (art. 62, inciso IV); uma cláusula necessária em todos os contratos administrativos (art. 92, inciso XVII); um elemento a ser garantido durante todo o período de execução contratual (art. 116) e, por fim, base para hipótese de extinção do contrato administrativo (art. 137, inciso IX).
Além da conquista direcionada às pessoas com deficiência, a Lei nº 14.133/2021 inspirou um outro ganho institucional absolutamente relevante para o tema da diversidade. Conforme consta do art. 116, a empresa contratada deverá cumprir “reservas de cargos previstas em outras normas específicas”, isto é, em proveito de outros grupos já beneficiados ou que possam vir a ser beneficiados com a instituição da reserva de cargos obrigatória e condicionante ao contrato administrativo.
Com isso, pessoas negras[3] e transexuais[4], por exemplo, que tendem a estar sub-representadas no mercado de trabalho, poderão acessar os benefícios alcançados pela nova Lei, na hipótese de norma posterior instituir regra nesse sentido.
À vista disso, a nova lei estrutura base legal para que gestores públicos bem-intencionados possam conceber políticas de diversidade nas contratações por meio de regulamentos ou editais de licitação.
A abordagem normativa mostra-se ainda mais relevante por mostrar que as instituições brasileiras estão dando espaço para discutir a desigualdade de representatividade no ambiente corporativo. É, de fato, um avanço poder notar que as normas de contratação administrativa passarão a atuar de modo a transformar essa realidade.
O próximo passo consiste em trabalhar no convencimento institucional de que ações afirmativas dessa natureza são importantes, mas não suficientes para diversificar o ambiente corporativo no Brasil. Essas e outras ações devem servir de incentivo aos legisladores e administradores para defenderem a manutenção, ampliação e fiscalização dessas iniciativas.
Além disso, cabe mobilizar forças para que as disposições progressivas em torno das ações afirmativas não tenham a sua efetividade comprometida pelo excesso de conservadorismo de alguns segmentos da sociedade, do mercado ou do próprio Estado.
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Notas
[1] É o caso do Decreto nº 9.450/2018, que institui a obrigatoriedade de emprego de mão de obra formada por pessoas presas e egressas do sistema prisional pelas empresas interessadas na contratação de serviços mantidos pela Administração Pública Federal, com valor anual acima de R$ 330.000,00.
[2] Especialista no tema, o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa descreve as ações afirmativas como “políticas públicas voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física”. In: GOMES, Joaquim Benedito Barbosa. Ação afirmativa e princípio da igualdade: O direito como instrumento de transformação social: a experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar. 2001. p. 132.
[3] Se observado, a título de exemplo, apenas o mercado dos escritórios de advocacia, pessoas negras representam menos de 20%, segundo o censo jurídico de 2019, conduzido pelo CEERT. Entre advogados de grandes escritórios de advocacia (considerando os cargos de Advogados Júnior, Pleno, Sênior e Sócios), profissionais negros representam menos de 1%.
[4] O Mapeamento das Pessoas Trans no Município de São Paulo, divulgado em janeiro de 2021, que desenvolvou pesquisa empírica tendo como objeto a população trans e travesti de São Paulo, indicou a prevalência desses setores nas atividades referentes ao mercado do sexo, os serviços de estética, beleza e atividades artísticas, funções conhecidamente subvalorizadas pela sociedade brasileira. Ver: <https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/direitos_humanos/LGBT/AnexoB_Relatorio_Final_Mapeamento_Pessoas_Trans_Fase1.pdf>. Acesso em 24 de abril de 2021.