A Lei 14.133/2021 e as rotinas administrativas das contratações públicas
Consultor Jurídico 2021-06-16
Em coluna publicada neste JOTA, Marçal Justen Filho destacou a vigência imediata da nova lei de contratações públicas (lei federal 14.133, de 1 de abril de 2021). O presente artigo dá sequência ao assunto, destacando algumas das normas prontamente aplicáveis da nova lei. O texto também chama a atenção para medidas a serem adotadas pelas Administrações antes da revogação da lei 8.666/93, da lei do pregão e da lei do RDC.
Não há dúvida de que a nova lei de contratações públicas já está em vigor. O art. 194 é claro: esta lei entra em vigor na data de sua promulgação. Portanto, a nova lei de contratações é eficaz, e desde logo produz seus regulares efeitos.
Há, sim, um período de dois anos, a contar da promulgação da nova lei, para que se opere a revogação da lei geral de licitações e contratos (lei 8.666/93), da lei do pregão (lei 10.520/2001) e da lei do regime diferenciado de contratações (lei 12.462/2011). É isso o que diz o art. 193, II da lei 14.133/2021. Assim, admite-se por ora a realização de procedimentos de contratação, mediante licitação ou diretamente, nos termos das leis já mencionadas, aplicando suas disposições aos ajustes daí decorrentes até o seu encerramento (art. 191, parágrafo único).
Em outras palavras, a nova lei proíbe a sua aplicação aos contratos firmados com base nos procedimentos da lei 8.666/93, da lei do RDC ou da lei do pregão. A orientação é: as disposições da nova lei não se aplicam para os contratos celebrados com base nas leis predecessoras, ainda que tenham sido celebrados após a entrada em vigor da nova lei.
A razão da vedação ao uso combinado da nova lei com a legislação pretérita é clara: evitar confusões, descolamentos de regimes e, ao mesmo tempo, impulsionar desde cedo a utilização da lei 14.133/2021. Nesse sentido, a título ilustrativo, vale mencionar que o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo já aplicou a vedação do art. 191, parágrafo único da nova lei (Tribunal Pleno, TC-8437.989.21-3, Rel. Cons. Auditor Antonio Carlos dos Santos, j. 28/4/2021).
A nova lei e as rotinas administrativas das contratações públicas
Mas atenção com leituras apressadas dos dispositivos da nova lei até aqui mencionados. A lei 14.133/2021 foi muito além do procedimento de disputa propriamente e dos contratos administrativos. A nova lei contém diversos dispositivos que interferem diretamente nas rotinas administrativas das contratações públicas. E essas rotinas administrativas não estão sujeitas ao regramento dos artigos 191 a 193 da nova lei.
De tal modo, numa perspectiva puramente normativa, os dispositivos da nova lei que cuidam, por exemplo, dos agentes públicos (art. 7º a 10), da fase preparatória do procedimento de licitação (art. 18) e do registro cadastral (art. 87) podem ser imediatamente aproveitados e aplicados, independentemente da lei de regência do procedimento de contratação. Essas normas dizem respeito a providências afetas à gestão administrativa, e não interferem na esfera de direitos dos particulares que participam das contratações públicas.
Assim também com as normas atinentes ao controle das contratações, que se dirigem aos servidores da administração que atuam nos sistemas de governança, à procuradoria jurídica e aos órgãos de controle interno, e aos tribunais de contas (art. 169 a 173). Novamente, verifica-se que essas normas se dirigem às rotinas administrativas para o controle das contratações públicas, sem impactar no procedimento de seleção dos contratados ou no regime jurídico do vínculo entabulado.
Talvez, esteja aí uma das principais e mais significativas contribuições da nova lei: suas determinações atinentes ao aprimoramento e à adequação das rotinas administrativas das contratações públicas.
A nova lei nos municípios com até 20.000 habitantes
É importante registrar que a nova lei previu um prazo ampliado para que municípios com até vinte mil habitantes promovam as adaptações necessárias à implantação de rotinas administrativas específicas provenientes da nova lei. É o caso da utilização de meios eletrônicos para a promoção de licitações, bem como para o cumprimento dos requisitos atinentes aos servidores públicos envolvidos com licitações, sobretudo o agente de contratação (art. 176).
A medida é absolutamente pertinente: o Brasil é formado por 5.570 municípios, dos quais 3.782 possuem até vinte mil habitantes (segundo as estimativas de julho de 2020 do IBGE). Esses municípios contam com capacidade arrecadatória e produtiva reduzida, o que interfere dramaticamente sobre suas contas, sua capacidade de investimentos e na captação de quadros para o serviço público. Adaptar-se à nova lei será um desafio tremendo para esses municípios; é preciso perseverança e paciência.
Dois anos para experimentar e se adaptar à nova lei de licitações
A manutenção da lei 8.666/93, da lei 10.520/2001 ou da lei 12.462/2011 por dois anos a contar da promulgação da nova lei permite que a Administração Pública e os particulares que com ela desejam contratar compreendam e se adaptem ao novo regime. Isso leva algum tempo; é preciso aproveitá-lo com sabedoria. Até que sejam revogadas as leis sobre contratações públicas atualmente em vigor, há um campo fértil para experimentar a nova lei.
Pode ser uma boa ideia realizar, já com base na nova lei, procedimentos para aquisições corriqueiras, com as quais a Administração e o mercado já estão acostumados. E se o uso da nova lei em casos assim trouxer problemas, em razão do novo regime, pode-se rapidamente iniciar um novo procedimento, por exemplo, pela lei do pregão, sem comprometer as políticas públicas e o dia a dia da Administração.
A nova lei de licitações e sua regulamentação: de quem é a competência?
Também é fundamental que sejam editados os diversos regulamentos que a nova lei menciona, como alertaram Floriano de Azevedo Marques e Juliana Bonacorsi de Palma, em 7 de maio de 2021, durante a primeira aula do curso sobre a nova lei promovido pela Fundação Arcadas, da Faculdade de Direito da USP. O desafio aqui será grande, pois a lei não esclareceu a competência para a edição de cada um desses regulamentos: é da entidade que promove a licitação, ou é do órgão ao qual está vinculada?
É do Poder Executivo do ente federativo correspondente, ou é do Poder Executivo federal? Para responder a essas perguntas, será que esbarraremos uma vez mais na discussão quanto ao caráter do que seja matéria para norma geral em matéria de licitações e contratos públicos (Constituição Federal, art. 22, XXXVII)? Como não se tem clareza quanto à autoridade competente para a edição desses regulamentos, é alto o risco de conflitos que resvalem para o Poder Judiciário. Mais uma vez, deve-se começar logo: quanto antes essas questões forem decididas, melhor – ainda que mediante intervenção judicial.
Devem correr rapidamente os dois anos que nos separam da revogação da lei 8.666/93, da lei 10.520/2001 ou da lei 12.462/2011. O país há de sobreviver até lá. Todos contamos com isso. Então, é importante aproveitar esse curto interregno e agir para que a Administração, os particulares que com ela contratam, os órgãos de controle e a academia se adaptem à nova lei. O direito não socorre aos que dormem.
As opiniões expressas neste artigo são de exclusiva responsabilidade de seus autores e não se confundem com as do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.
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