Função regulatória de fomento das contratações públicas na nova Lei de Licitações
Consultor Jurídico 2021-08-04
Nas últimas décadas, a licitação adquiriu objetivos além de selecionar a proposta mais vantajosa e garantir a isonomia e a probidade nas contratações públicas. Considerando o volumoso montante geralmente envolvido nos contratos administrativos, as licitações são utilizadas como instrumento de fomento e de regulação indireta da economia. Estabelece-se, nos editais, condições e critérios que, ainda que aparentemente desvinculados ao objeto licitado, visem induzir os agentes econômicos a práticas socialmente desejáveis, por meio de uma regulação por incentivos[1].
Há várias inovações normativas dos últimos anos que exemplificam a tendência. Alguns marcos foram as mudanças promovidas na Lei nº 8.666/93 ao longo dos anos, que, com a Lei nº 12.349/2010, passou a prever o “desenvolvimento nacional sustentável” como objetivo a ser promovido pelas licitações[2]; bem como, pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência de 2015, adotou-se preferências a empresas que comprovarem reserva de cargos para pessoas com deficiência .. Ademais, são inúmeros os regulamentos, sobretudo em entes federativos infranacionais, que estabeleceram preferências a contratações que fomentem práticas benéficas à sociedade, como a preservação do meio-ambiente, a inclusão social e o empreendedorismo local.
Com a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021), é possível notar um avanço na função regulatória das contratações públicas.[4]
Em geral, as modificações presentes na lei nº 8.666/93 se mantiveram ou mesmo ganharam mais espaço. O objetivo do “desenvolvimento nacional sustentável” se manteve , bem como as preferências de desempate e possibilidade de margens de preferência a empresas, produtos e serviços nacionais[6]. Outro exemplo que se manteve foi a dispensabilidade de licitação na contratação de associações de portadores de deficiência, instituições dedicadas à recuperação social de presidiários, e cooperativas de catadores de recicláveis[7].
Ainda no tocante à inclusão de grupos excluídos, a nova lei traz outros avanços. Enquanto a lei antiga previa que licitantes que cumprissem com reserva legal de vagas para portadores de deficiência ou reabilitados da Previdência Social teriam preferência para desempate, e poderiam obter margem de preferência prevista em edital[8], a nova lei passou a prever que tal critério seja pressuposto para a própria habilitação do licitante, ou seja, requisito de participação na licitação[9]. Além disso, a possibilidade de o edital prever que a mão-de-obra a ser empregada na execução do contrato conte com percentual mínimo de egressos do sistema prisional[10] não só se manteve na nova lei, como se expandiu também para mulheres vítimas de violência doméstica[11].
Já no âmbito da regulação ambiental, a nova lei inova ao trazer incentivos à preservação do meio-ambiente e promoção da sustentabilidade. Passa-se a prever a possibilidade de margem de preferência a bens reciclados, recicláveis ou biodegradáveis[12], critérios de desempate em favor de empresas que comprovem a prática da [13], nos termos da Política Nacional sobre a Mudança do Clima[14]. No mais, é ressaltada a importância do respeito a normas ambientais nas obras e serviços de engenharia, no que tange à disposição final dos resíduos, á mitigação por condicionantes e compensação ambiental, à redução no consumo de recursos naturais, à proteção ao patrimônio cultural e ao impacto de vizinhança nos termos da legislação urbanística .
Estes são só alguns exemplos. Há outras inovações e avanços na Nova Lei de Licitações de fomento a práticas socialmente desejáveis. Verifica-se dispositivos sobre o desenvolvimento regional de estados e pequenos municípios, benefícios a pequenos empreendimentos como as MEs e EPPs, bem como a startups; e regulação concorrencial e anticorrupção. Confira-se, no quadro do link ao final, todas as mudanças nesse sentido, em comparação com as disposições similares da Lei nº 8.666/93.
A nova lei, contudo, não acaba com os desafios que rondam a temática. Os principais problemas envolvendo o uso da licitação para fins de fomento ou regulação, como a necessidade de não se comprometer a vantajosidade da contratação e questões envolvendo os órgãos de controle posteriormente, não serão resolvidos apenas pela via legislativa. É necessário que os gestores se atentem ao uso do instrumento sem comprometer as principais finalidades do procedimento licitatório, e que a opção de fomento seja devidamente motivada, de forma a ficar clara a legitimidade da prática para os órgãos de controle.
new RDStationForms('sdr-inbound-form-artigos-impacto-nas-instituicoes-8c5227dd4ede3347a6c6', 'UA-53687336-1').createForm();
[1] Para um maior aprofundamento, cf. ACOCELLA, Jéssica. RANGEL, Juliana Cabral Coelho. O papel regulatório e de fomento das licitações públicas. In: Revista do BNDES. n. 40. Dezembro, 2013. pp. 269-312
[2] art. 3º, caput, L8666
[3] art. 3º, § 2º, V; § 5º, II, L8666
[4] Para um maior aprofundamento, cf. a palestra ministrada pelo Professor Alexandre Aragão no curso da Procuradoria-Geral do Estado “A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, em sua aula 03, a partir dos 58min e 10seg, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=M0CVGZFdxH0
[5] arts. 5º e 11, IV, L14133
[6] art. 3º, §§ 2º, 5º e 7º, L8666; art. 26, I e art. 60, § 1º, L14133
[7] art. 24, XX, XIII e XXVII, L8666; art. 75, XV, XIV, IV, “j”, L14133
[8] art. 3º, § 2º, V e § 5º, II, L8666
[9] art. 63, IV, L14133
[10] art. 40, § 5º, L8666
[11] art. 25, § 9º, L14133
[12] art. 26, II, L14133
[13] Pela Lei nº 12.187/2009, entende-se por mitigação as “mudanças e substituições tecnológicas que reduzam o uso de recursos e as emissões por unidade de produção, bem como a implementação de medidas que reduzam as emissões de gases de efeito estufa e aumentem os sumidouros;” (art. 2º, VII)
[14] art. 60, § 1º, IV
[15] art. 45, I, ii, III, IV e V, L14133