A reabilitação de licitantes e a nova Lei de Licitações

Consultor Jurídico 2021-11-24

Consta na nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021) a previsão de reabilitação de licitantes punidos por condutas anteriores, para que possam restabelecer seu direito de concorrer em licitações públicas.

Vê-se a intenção do legislador de trazer para as licitações concorrentes íntegros e fazer com que as empresas acentuem as preocupações e condutas responsáveis e convergentes com sua função social. A questão é verificar se a nova Lei de Licitações progrediu ou não em relação à reabilitação de licitantes punidos, comparativamente à legislação anterior.

No artigo 87, IV, da lei anterior (Lei 8.666/1993), previa-se a possibilidade da reabilitação para casos de declaração de inidoneidade por inexecução total ou parcial de contrato administrativo. A sanção persistia até que fosse promovida a reabilitação perante a autoridade que aplicou a penalidade. Por sua vez, a reabilitação carecia do ressarcimento dos prejuízos causados à Administração Pública e do decurso do prazo da sanção (dois anos).

Apesar de prevista a reabilitação, não havia previsão de procedimento específico, com os necessários detalhamentos. Ou seja, era tudo muito vago.

Embora vigente desde 1993, a Lei 8.666 não tinha a necessária especificação para a adoção do procedimento de reabilitação, que, na prática, ficava renegado (ou ao menos esquecido) pelos interessados e também pelos gestores públicos.

Apenas em 9 de junho de 2020 a Controladoria-Geral da União (CGU) regulamentou um pouco mais a reabilitação do licitante declarado inidôneo, ao publicar a Portaria CGU 1.214/20. Com base nela, os requisitos para reabilitação passaram a ser o 1) decurso do prazo de dois anos sem licitar ou contratar com a Administração Pública, 2) o ressarcimento integral dos prejuízos causados à Administração Pública e 3) a adoção de medidas de superação dos motivos causadores da punição, dentre as quais a implementação de programa de integridade/compliance.

Já com o advento da nova Lei de Licitações, a questão ficou mais clara (ou talvez, apenas, com requisitos mais detalhados). Previu-se, agora, a possibilidade da reabilitação a quem cumprir cinco requisitos cumulativos, conforme artigo 163 da lei: 1) reparação integral do dano (inciso I), 2) pagamento da multa aplicada (inciso II), 3) transcurso do prazo mínimo de um ano da aplicação da penalidade, no caso de impedimento de licitar e contratar, ou de três anos da aplicação da penalidade, no caso de declaração de inidoneidade (inciso III), 4) cumprimento das condições de reabilitação definidas no ato punitivo (inciso IV) e 5) análise jurídica prévia, com posicionamento conclusivo quanto ao cumprimento dos requisitos definidos neste artigo (inciso V).

E mais, em conformidade com o parágrafo único do artigo 163 da Lei 14.133/2021, algumas infrações (apresentação de declaração falsa e prática de conduta prevista na Lei Anticorrupção) só são passíveis de reabilitação caso, cumulativamente, seja implementado ou aperfeiçoado um programa de integridade/compliance.

O legislador adotou, portanto, a mesma motivação da regulamentação anterior da CGU, que tem origem no artigo 7º da Lei 12.846/2013 (a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica).

Como se observa, mais uma vez não se previu procedimento claro para a reabilitação, mas sim “autossaneamento pelo sancionado” (usando a expressão da doutrina), através da adoção de providências pela pessoa física ou jurídica punida, para liquidar os danos da Administração e convencê-la de que, a partir de medidas de governança adotadas, as irregularidades não voltarão a acontecer.

É questionável se a reabilitação, nesse formato, incentivará seu uso, pois apenas foram ampliados os seus requisitos, sem prever, uma vez mais, roteiro procedimental a ser adotado. Isso tudo só o tempo e a aplicabilidade da nova lei esclarecerão.