O Supremo Tribunal Federal não vai proibir a demissão sem justa causa
Consultor Jurídico 2023-01-25
Mal nasceu o novo ano e os empresários brasileiros já foram sacudidos por uma notícia, que viralizou nas redes sociais e fez estremecer o chão dos gestores de departamento pessoal[1]: o Supremo Tribunal Federal (STF) vai “aprovar uma medida” para proibir a demissão sem justa causa no Brasil.
Antes de qualquer desespero nas empresas, é preciso observar o que de fato está em discussão no STF, sendo necessário, para tanto, realizar uma breve contextualização histórica do caso.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG e a Central Única dos Trabalhadores – CUT propuseram, em 19/6/1997, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.625 (ADI 1625), questionando a denúncia da Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) pelo Brasil.
As centrais questionam a forma como o compromisso de cumprir os termos da Convenção, assumido pelo então Presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, em 5/1/1995, foi denunciado, sem a participação do Congresso Nacional. Os pedidos são de declaração de invalidade da denúncia e de restabelecimento do tratado em território nacional.
É preciso entender, contudo, do que trata a referida norma internacional, bem como qual a sua hierarquia em face das leis brasileiras, Além disso, é preciso analisar a possibilidade de aplicação imediata dos preceitos da Convenção nº 158 da OIT no Brasil, ou se seria necessária uma regulamentação do tema pelo Congresso Nacional.
As convenções da OIT são tratados internacionais, ou seja, compromissos assumidos pelos países, por intermédio de seus Chefes de Estado, de cumprir e integrar as regras internacionais trabalhistas às leis internas nacionais.
Por sua vez, a Convenção nº 158 trata do término da relação de emprego por iniciativa do empregador. E
Afirma que, para o término da relação de trabalho, deve existir um motivo relacionado à capacidade ou ao comportamento do empregado, ou relativo às necessidades de funcionamento da empresa.
Desde logo, percebe-se que a norma internacional trata de algo bem distinto de uma demissão por justa causa, que é a máxima punição disciplinar para uma falta grave cometida no trabalho.
A Convenção nº 158 da OIT não exige a caracterização da falta grave para a rescisão do contrato, mas, sim, a indicação de um motivo de ordem técnica, comportamental ou gerencial para a demissão.
Ou seja, a Convenção nº 158 da OIT prevê que o empregador deve indicar uma das razões que já levam, na realidade, as empresas a realizar a rescisão sem justa causa de um contrato de trabalho. Isso porque, na prática, por trás de toda demissão, ou há uma insatisfação técnica ou comportamental, ou há uma necessidade da empresa que precisa ser atendida.
A Convenção afirma, ainda, que não podem ser invocadas como causa para o término da relação de trabalho a filiação sindical, a candidatura a representante dos trabalhadores, a propositura de ação contra o empregador por supostas violações de leis ou regulamentos, a ausência do trabalho durante a licença-maternidade, ou qualquer motivo relacionado a raça, cor, sexo, estado civil, responsabilidades familiares, gravidez, religião, opiniões políticas, ascendência nacional ou origem social.
Só que a lei brasileira também proíbe demissões discriminatórias, visto que todo ato de discriminação é ilegal por si, podendo, ainda, a depender das características do caso concreto, configurar um crime.
Na verdade, há muito mais convergências do que divergências entre a legislação trabalhista brasileira e os preceitos da Convenção nº 158 da OIT.
Por exemplo, na Convenção, tal qual na lei nacional, é previsto que o trabalhador que considerar injustificado o término de sua relação de trabalho pode recorrer a um organismo neutro, como, por exemplo, um tribunal do trabalho.
Também determina que o trabalhador tem direito a um prazo de aviso prévio razoável, a uma indenização por término dos serviços e a benefícios do seguro desemprego.
Há ainda outro ponto importante, relativo à aplicabilidade imediata de todos preceitos contidos na Convenção nº 158 da OIT, que deve ser enfrentado em caso de o STF decidir pela inconstitucionalidade da denúncia, realizada pelo Decreto nº 2.000/96.
Uma convenção internacional assume, por muitas vezes, o caráter de uma norma programática, que enuncia princípios, premissas e valores, mas delega os pormenores da aplicação à regulamentação pela legislação nacional. É o que ocorre com a Convenção nº 158 da OIT.
Além disso, é importante destacar que os preceitos da Convenção nº 158 da OIT devem ser interpretados em conformidade com o disposto na Constituição Federal, em especial com o artigo 7º, inciso I, que exige a edição de uma lei complementar para regular a proteção contra a despedida arbitrária do empregado, prevendo, necessariamente, uma indenização compensatória para tanto.
Ou seja, a Carta Maior expressamente autoriza a demissão imotivada, mas exige uma indenização, não sendo possível a criação de regra que importe em proibição – salvaguardando os casos específicos, como proteção à maternidade, à representação sindical e aos doentes, por exemplo – , nem mesmo se considerarmos eventual caráter supralegal do tratado internacional, posto que se está diante de um mandamento constitucional.
Além disso, a Convenção da OIT também se submete ao disposto no artigo 10, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que possui o mesmo status de norma constitucional e prevê a indenização de 40% do FGTS para as dispensas arbitrárias, autorizando-as, portanto.
Sendo assim, os preceitos da Convenção nº 158 da OIT somente seriam aplicáveis naquilo que se compatibilizam com a estrutura constitucional estabelecida no Brasil, quanto ao término da relação de emprego por iniciativa do empregador.
Por fim, vale destacar que, se não é pequena a chance de o STF decidir pela inconstitucionalidade do Decreto nº 2.000/96, pela ausência de participação do Congresso Nacional, é muito provável que haja uma modulação dos efeitos dessa decisão.
Como sinalizado em votos já proferidos, ou a denúncia da Convenção nº 158 da OIT deve ser mantida, valendo a decisão para casos análogos futuros, ou ela deve ser submetida ao Congresso Nacional, para manifestação definitiva sobre o tema.
A verdade, portanto, é que o STF não irá proibir a demissão sem justa causa no Brasil.
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[1] Cf. https://monitormercantil.com.br/stf-deve-aprovar-medida-que-proibe-demissao-sem-justa-causa/, acesso em 5/1/2023, às 10:30 horas.