Fux criticou decisão sobre coisa julgada, mas votou para quebrá-la no STF e no STJ
Consultor Jurídico 2023-02-18
O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), reprovou, em evento na sexta-feira da última semana (10/2), o entendimento da Corte no julgamento dos limites da coisa julgada. “Tivemos uma decisão que destruiu a coisa julgada. Tivemos uma decisão que criou a maior surpresa fiscal para os contribuintes. Tivemos uma decisão com um risco sistêmico absurdo,” disse o ministro, dias depois da decisão, numa palestra organizada pelo Sindicato das Empresas Serviços Contábeis (Sescon-SP). Fux só não disse aos empresários que ele próprio votou para quebrá-la no julgamento — discordou apenas quanto à modulação. Em 2010, quando ainda integrava o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o ministro também já havia votado para desconstituir a coisa julgada.
“Se o contribuinte tem uma coisa julgada de 10 anos atrás, ele não vai dormir com tranquilidade, porque pode surgir um precedente que venha desconstituir algo que foi julgado a 10, 15, 16 anos atrás. Eu faço essa crítica porque eu a fiz publicamente. Minha insatisfação é perene. Acho que um país que promete os direitos fundamentais e a segurança jurídica não pode se dar ao luxo de romper a coisa julgada.”
O STF decidiu que os efeitos de uma decisão definitiva sobre tributos recolhidos de forma continuada perde seus efeitos no momento em que a Corte se pronunciar de outra maneira. Nesse ponto, o Plenário foi unânime — com o voto de Fux, inclusive. A divergência apareceu quando se discutiu a determinação de um limite temporal.
“Aquilo me incomodou muito, porque tive formação muito sólida, e nessa formação se dizia que na catedral do Direito está a coisa julgada”, afirmou o ministro dias depois na palestra. “Se a gente relativiza a coisa julgada, vale a segunda e não a primeira, porque não a terceira, a quarta e a quinta? E quando vamos ter segurança jurídica?”, perguntou na ocasião.
No julgamento, por seis votos a cinco, os ministros negaram o pedido dos contribuintes para que a decisão tivesse efeitos apenas a partir da publicação da ata de julgamento dos recursos e estabeleceram que a cobrança pode retroagir até o momento em que o Supremo atestou a constitucionalidade do tributo. Neste ponto, Fux foi um dos vencidos.
Em 2010, ao relatar o REsp 1.103.584/DF, cujo mérito é diferente do julgado pelos ministros do Supremo na semana passada, Fux também votou para desconstituir a coisa julgada — neste caso em sentido inverso.
A Technos, uma fabricante de relógios, recorreu ao STJ para que fosse reconhecido o direito à restituição dos valores pagos a título de PIS, sob a forma de dois decretos-leis de 1988, considerados inconstitucionais pelo Supremo e cuja execução foi suspensa por uma resolução do Senado Federal em 1995.
O pedido da fabricante nem foi apreciado no mérito na primeira instância, porque o juiz acolheu a alegação de coisa julgada. Anos antes, a Technos havia perdido um processo para não ser obrigada a pagar a contribuição. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou o recurso.
O então relator da ação no STJ, ministro Luiz Fux, entendeu que, no caso de tributos pagos sucessivamente e de modo continuado, os efeitos da sentença devem se manter enquanto a situação jurídica permanecer a mesma. Como a declaração de inconstitucionalidade pelo STF mudou o quadro em análise, a decisão em sentido contrário perde a eficácia temporal.
“Deve-se observar que há retroação da declaração de inconstitucionalidade, mas a decisão transitada em julgado perpetua-se até a declaração de inconstitucionalidade da norma pela Suprema Corte, respeitando a coisa julgada material naquele lapso temporal.”
“Na hipótese dos autos, fica reconhecida, relativamente ao período anterior ao advento da Resolução 49/95 do Senado, a eficácia da sentença anterior transitada em julgado, que reconheceu a constitucionalidade do DL 2445/88 e 2449/88; todavia, com a modificação do estado de direito decorrente da publicação dessa Resolução, suspendendo a execução dos Decretos-Leis declarados inconstitucionais pelo STF, cessou a eficácia temporal da sentença anterior, em sentido contrário.”
O voto foi proferido em julgamento da 1ª Turma. A decisão foi unânime, nos termos do relator. Confira a íntegra do voto do então ministro do STJ Luiz Fux.