A consensualidade na nova lei de contratações públicas
Consultor Jurídico 2023-02-21
A Lei 14.133/2021, conhecida como nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, que em breve revogará a Lei 8.666/93, juntamente com outras normas que conformam o regime jurídico das contratações públicas, põe luz sobre a execução do contrato, prestigiando o instrumento que entrega o bem ou o serviço à população.
Ao lado dos temas da governança e da gestão de riscos, o oferecimento de ferramentas voltadas ao cumprimento do contrato é a grande mudança trazida pela nova lei.
O caráter instrumental da licitação é enfatizado quando a lei, prestes a entrar em vigor, prescreve que o processo licitatório tem por objetivo assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública.
Uma vez selecionado o prestador, segundo critérios objetivamente fixados no edital, a Administração deve dedicar seus esforços para garantir a fiel execução do contrato, tal como determina o art. 115 da Lei 14.133/2021.
A execução do contrato em conformidade com as cláusulas avençadas não significa impossibilidade de adaptação. A depender das interferências externas e da materialização de riscos, a fiel execução do contrato pressuporá alterações, que devem ser realizadas de forma unilateral ou consensual.
A nova disciplina legal cria condições para uma gestão contratual mais consensual, na qual a administração e o particular podem procurar soluções que permitam a continuidade da execução, mesmo quando esta seja impactada por fato superveniente.
O capítulo que trata da alteração dos contratos e dos preços autoriza a alteração por acordo entre as partes quando conveniente a substituição da garantia de execução; diante da necessidade de modificar o regime de execução da obra ou do serviço por constatação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários; para alteração da forma de pagamento, por imposição de circunstâncias supervenientes; e para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado.
A alteração do contrato pode ocorrer em um ambiente absolutamente consensual, onde as partes podem produzir seus argumentos e fazer suas comprovações, que servirão de base para a tomada de decisão e ficarão sujeitas a controle interno e externo de legalidade.
No entanto, caso surja alguma controvérsia, as partes podem se valer dos meios alternativos de solução de controvérsias, tratado a partir do art. 151 da Lei 14.133/2021.
O dispositivo abre caminho para que os contratos administrativos incorporem os chamados dispute boards, comitês técnicos destinados a dirimir tais conflitos de maneira eficaz, técnica e célere no curso da execução contratual. Trata-se de método heterocompositivo e alternativo de prevenção e solução de conflitos bastante indicados para contratos longevos ou, embora de curto prazo, mais suscetíveis a alterações.
A lei de contratações públicas não avançou na disciplina sobre a composição dos comitês, procedimento de atuação e natureza de suas decisões, temas que podem ser regrados por meio de regulamento.
A inexistência de regulamento não impede, contudo, a utilização do mecanismo. Basta que o contrato discipline a composição, observando critérios isonômicos, técnicos e transparentes; defina se será um comitê permanente ou constituído ad hoc, bem como estabeleça regras procedimentais para o processamento dos pleitos e defina quais temas poderão ser submetidos a essa forma de solução de controvérsias.
A Lei 14.133/2021 foi muito bem ao permitir que o comitê solucione conflitos atinentes ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ao inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes e ao cálculo de indenizações, mas ainda há espaço para que o contrato discipline a matéria.
Este comitê técnico, poderá ser instituído no início da execução do contrato, acompanhando a evolução da obra e dos serviços, ou apenas quando surgir o conflito entre as partes, a depender das disposições fixadas pela cláusula de dispute board nos contratos administrativos.
Essa importante e inovadora ferramenta também tem serventia para a hipótese de extinção antecipada do contrato. Nos termos do art. 138 a extinção do contrato poderá ser consensual, por acordo entre as partes, por conciliação, por mediação ou por comitê de resolução de disputas, desde que haja interesse da administração.
A consensualidade que permeia a nova lei de contratações públicas já estava retratada na Lei federal de Processo Administrativo – Lei 9.784/1999 – e na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Decreto 4.657/1942 –, mas sua aplicação depende de um diálogo qualificado entre o setor público, o privado e os órgãos de controle.
Essa inovação, assim como muitas outras da Lei 14.133/2021, dependerá da interpretação que será feita pelos aplicadores da lei, em todos os âmbitos, e revelará quão pronta a Administração Pública está para adotar mecanismos consensuais.