Desmistificando a atividade parlamentar – parte 3: prestação de serviços a eleitores
Consultor Jurídico 2023-06-21
Em 2022, recebi uma bolsa da Associação de Ciência Política Norte-Americana que me permitiu trabalhar como assistente legislativa do deputado norte-americano Gregory W. Meeks na U.S. House of Representatives. Entre janeiro e agosto, atuei em diversos âmbitos do mandato parlamentar, desde a proposição de leis até a recomendação de votos em plenário. Também tive a oportunidade de preparar as emendas orçamentárias enviadas pelo gabinete à Comissão de Orçamento e, depois da aprovação na Comissão, à base eleitoral de Meeks. Essa experiência me fez entender o quão importante é a prestação de serviços do parlamentar aos seus eleitores para a democracia.
A U.S. House of Representatives fez uma série de mudanças no processo de solicitação e aprovação de emendas orçamentárias, que no passado se chamavam earmarks e agora se chamam Community Project Funding. Falei sobre essas mudanças em entrevista ao Estadão. No gabinete em que trabalhei, abrimos um edital de emendas orçamentárias focado na base eleitoral de Meeks e recebemos diversos pedidos de entidades. Fizemos a análise das solicitações com base em dois critérios: impacto socioeconômico na base eleitoral e retorno eleitoral para o deputado. Selecionamos 15 projetos, que foram enviados à Comissão de Orçamento. Lá, foram discutidos em conjunto com outros pedidos dentro da lei orçamentária. Todos os nossos pedidos foram aprovados.
Uma das entidades beneficiadas é o Jamaica Hospital Medical Center, no Queens, em Nova York. No ano anterior, o mesmo hospital havia recebido emenda orçamentária para reformar a sua unidade neonatal. Em julho de 2022, visitei o local para entender o impacto da verba enviada pelo gabinete. Como os recursos ainda estavam sendo enviados, a reforma não havia começado. A unidade neonatal parecia ter sido congelada nos anos 1970. Os equipamentos estavam desatualizados ou quebrados.
Foi possível ver de fato a necessidade de investimento na renovação da unidade, que atende uma boa parte da base eleitoral de Meeks no Queens.
As emendas orçamentárias são apenas uma das ferramentas através das quais os parlamentares prestam serviço aos seus eleitores. Em Brasília, é comum ver prefeitos visitando os anexos da Câmara dos Deputados pedindo aos deputados que intercedam em favor de pedidos das suas bases eleitorais. Também é comum ver deputados visitando a Esplanada dos Ministérios para pedir a ministros que resolvam pendências que afetam as suas bases eleitorais.
Os deputados também podem receber pedidos diretamente dos próprios eleitores, já que visitam as suas bases eleitorais entre sextas e segundas-feiras. Um exemplo de pendência: um eleitor pode pedir ao seu deputado que investigue por que não está recebendo um benefício social ao qual tem direito via o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.
A prestação de serviço ao eleitor é o elo que liga o parlamentar ao cidadão. A maior parte das pessoas não acompanha o que acontece nas comissões ou nos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado. Também não é crível para os parlamentares voltarem às suas bases eleitorais e reivindicar crédito pela aprovação de proposições de lei (mesmo as de sua autoria), já que as leis são aprovadas por decisões majoritárias. É crível – isso sim – os parlamentares reivindicarem autoria pelos serviços que prestam às suas bases eleitorais. É um jogo de ganha-ganha (os parlamentares ganham votos e os eleitores investimentos ou benefícios necessários para si ou para as regiões em que moram) no qual a representatividade democrática ganha contornos reais.
Por isso insisto tanto na importância das emendas orçamentárias para o funcionamento da democracia brasileira. Elas são os elos mais concretos entre os parlamentares e os eleitores. De quebra, ainda ajudam os presidentes a formar base de apoio no Congresso. Tudo isso, claro, desde que elas sejam legais e transparentes.