Qual o motivo aceitável para demissão sem justa causa nas empresas estatais?

Consultor Jurídico 2024-02-19

A demissão sem justa causa de um empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, contratado por concurso público sob o regime celetista, deve ser precedida de motivação?

O Supremo Tribunal Federal (STF) respondeu que sim. No Recurso Extraordinário 688.267/CE – ainda sem acórdão publicado, mas com gravações oficiais disponíveis aqui e aqui –, a maioria do Tribunal, capitaneada pelo ministro Luís Roberto Barroso, concluiu que a demissão deve ser justificada formalmente.

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Porém, isso não equivale à instauração de um processo administrativo com contraditório e ampla defesa, ou aos rigores legais de uma demissão com justa causa. Tampouco se trata de conferir estabilidade, inexistente para os empregados de empresas estatais.

Basta uma “motivação light”, “uma mínima motivação com qualquer fundamento razoável” (palavras do ministro Roberto Barroso). Segundo os ministros que defenderam tal entendimento, trata-se de um modo de controlar desvios de finalidade e garantir a observância dos princípios da Administração Pública. O Tribunal buscou harmonizar os regimes público (art. 37, CRFB88) e privado (art. 173, § 1º, II, CRFB88)

Se o empregado foi admitido por concurso público, em respeito à impessoalidade e à publicidade, o mesmo deve ser exigido em sua saída. Assim, não se pode admitir a demissão para atender aos interesses particulares de quem quer que seja. Quanto a isso, a preocupação do Supremo foi menos com a esfera federal, e mais com as esferas estadual e municipal, nas quais haveria mais espaço para favorecimentos.

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Por outro lado, os ministros vencidos (ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes) destacaram a natureza das empresas estatais, que atuam em regime concorrencial e necessitam tomar decisões rápidas, de modo eficiente. Nesse sentido, exigir motivação para a dispensa, ainda que mínima, poderia trazer problemas gerenciais às empresas, que impactariam em seu valor de mercado, além de aumentar a possibilidade de judicialização das demissões.

O fato é que a resposta dada pelo Supremo não é nova. O Tribunal já havia enfrentado o tema no RE 589.998/PI, julgado em 2013, tendo dado a mesma solução. Na ocasião, delimitou-se a tese de repercussão geral (Tema 131) à Empresa de Correios e Telégrafos (ECT), que foge à regra por ter características eminentemente públicas (presta serviço público em regime de monopólio, tem imunidade tributária, paga suas dívidas pelo regime de precatório). Agora, a exigência de motivação aplica-se a todas as empresas estatais.

Embora a resposta dada pelo Supremo nos dois julgamentos seja aparentemente clara, ela deixa dúvidas quanto às possíveis consequências. Quem levantou a questão foi o ministro André Mendonça.

Seu voto acompanhou a tese da exigência de motivação mínima por ato formal. Ele partiu da ideia da accountability necessária a qualquer ato administrativo, isto é, ser transparente, sujeito à prestação de contas e ao controle. Uma vez motivada a demissão, o ato sujeita-se ao controle judicial apenas nos aspectos da legalidade e da finalidade, mantendo-se a deferência ao administrador.

Por isso, na solução do caso concreto (do empregado do Banco do Brasil), o ministro André Mendonça, lendo o “motivo” da entidade financeira para a demissão, considerou que a justificativa havia sido genérica, “uma motivação formal que não permite qualquer espécie de controle” (palavras do ministro André Mendonça). Divergindo da maioria no ponto, deu provimento ao recurso do empregado – o ministro Roberto Barroso entendeu por dar apenas efeitos prospectivos à tese, não aplicando-a ao caso concreto.

Então, qual motivação é aceitável ou razoável? Qual será o alcance do controle judicial sobre a justificativa da dispensa? Afinal, se a dispensa é sem justa causa, o motivo precisa ser justo? Como fazer este juízo? A dúvida bem lançada pelo ministro André Mendonça é pertinente. Espera-se que Tribunal possa esclarecer esses pontos na elaboração da tese.