Como ser um jurídico sustentável no mundo ESG
TJSC Notícias - RSS 2021-11-09
Dados recentemente divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) [1] constatam que a Justiça brasileira continua com altos índices de congestionamento e demora na solução dos conflitos. Eles reforçam o que as empresas presenciam diariamente: os tribunais continuam congestionados (em média, 67% das ações na fase do conhecimento e 84% na de execução); a resposta judicial ainda é demorada (o tempo de tramitação dos processos é de cinco anos e dois meses em média); as ações consumeristas estão entre os temas mais demandados, principalmente nos juizados especiais, e mais da metade das decisões na Justiça do Trabalho são questionadas em instâncias superiores.
Diante desses fatos, devemos fazer uma reflexão sobre as evoluções que, como advogados corporativos, precisamos promover no mundo jurídico em que militamos. Como garantir que as empresas reduzam seus próprios índices de “congestionamento” e alcancem resultados sustentáveis, dentro de uma proposta de valor mais ampla?
A começar com a prevenção, temos a opção de promover a resolução de conflitos de forma mais célere e humana, com uso da mediação, por exemplo. Neste ano, o Brasil assinou a Convenção de Singapura [2] sobre mediação internacional. Faltando apenas o Congresso Nacional ratificar a nossa adesão ao acordo, este acontecimento traduz um marco histórico para a mediação no país, uma vez que agora teremos um parâmetro internacional para os acordos resultantes de mediação. Com a Convenção, um acordo firmado por mediação internacional em questões comerciais se tornará vinculante e exequível por um processo muito mais simplificado do que é hoje.
O número de processos judiciais de uma corporação retrata muito das relações desta empresa com seus associados, clientes, fornecedores, consumidores e parceiros. Número de conflitos solucionados extrajudicialmente também deve ser um indicador a ser medido, tal como a taxa de êxito dos processos judiciais de um departamento jurídico, ainda que a solução passe por outras áreas, como o call center, por exemplo, que já deve incorporar essas métricas e cultura no seu dia a dia.
Na mesma linha, em uma cultura madura e de confiança, as políticas e treinamentos de compliance devem ir além do óbvio. Questões como procedimentos anticorrupção e conflitos de interesse, due diligence de fornecedores e parceiros comerciais e um canal de denúncias muito bem estruturado são essenciais para a formação e perpetuação de uma empresa, ainda mais no Brasil. Mas não bastam.
Devemos promover treinamentos para tratar de reclamações e desvios cotidianos, que inexoravelmente são reportados por meio do referido canal de denúncias das empresas “da porta para dentro” e que, quase sempre, tangenciam fatores ligados a diversidade, respeito e a um ambiente saudável (e sustentável) de trabalho. Outra questão a ser debatida é: sua empresa possui diretrizes claras para o que deve ser tratado pelo canal de denúncias ou endereçado pela área de Recursos Humanos, já que pode configurar apenas problemas relacionados à gestão, sem afetar diretamente ao Código de Ética?
Ter um olhar que alcança também os fornecedores e terceiros, que muitas vezes coabitam a própria empresa, transcende a celebração de um contrato de prestação de serviços. A companhia contratada deve receber diretrizes e treinamentos compatíveis com as atividades que desempenham, para que comunguem dos mesmos valores de conformidade e sustentabilidade da contratante. Isso também gera engajamento social capaz de prevenir litígios e, mais grave, crises reputacionais de diversas magnitudes, como as que estamos acostumados a ler nos jornais. Permita-se questionar se os seus principais fornecedores possuem práticas de promoção de diversidade e possuem mecanismos de prevenção anticorrupção nos demais processos.
Ademais, o debate sobre o curto e longo prazo nas decisões que aconselhamos e que são diariamente tomadas pela empresa já seria, por si só, uma preocupação legítima, considerando a responsabilidade estatutária e/ou legal dos seus administradores.
Entretanto, é preciso promover um pensamento que vá além do risco financeiro, contingenciado ou provisionado, para proteger o que é intangível, capaz de retroceder avanços ou evitar progressos. É essencial ter uma matriz de riscos, mas igualmente importante é entender a natureza dos riscos que são reportados nessa matriz. O que está mapeado nesse documento fala muito da cultura da empresa e daquilo que ela investe para controlar, proteger ou evitar.
A construção de políticas públicas, em um somatório de esforços apartidários, em prol de causas e interesses coletivos, também é um caminho sem volta, no qual somos, como advogados corporativos, grandes construtores de pontes e demolidores de muros. Há interesses e causas às quais não cabem exclusividade e não podem ser “patenteados”. É do interesse de todos defender e promover esse protagonismo social, implícito na autorização que recebemos de operar no Brasil.
E tudo isso passa também por inovação, por pensar em como usar o “novo” para diminuir burocracia, ganhar agilidade e focar aquilo que realmente gera valor. Valor no sentido macro, amplo. No sentido “ESG”, tão falado atualmente. Para que nossos resultados e SLAs internos, como departamentos jurídicos, tenham serventia sustentável. Sejam fluidos e alinhados à estratégia da empresa. Sem dúvida, esse é o melhor papel que podemos exercer dentro das empresas que representamos. Sem congestionamentos.
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[1] Justiça em Números: mais de 2,4 milhões de acordos homologados em 2020. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/justica-em-numeros-mais-de-24-milhoes-de-acordos-homologados-em-2020/. Acesso em 28/10/2021.
[2] Brasil assina a Convenção de Singapura sobre mediação internacional. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2021/junho/brasil-assina-a-convencao-de-singapura-sobre-mediacao-internacional. Acesso em 22/10/2021.
