STF estende Lei Maria da Penha para casais homoafetivos e mulheres travestis e trans
JOTA.Info 2025-02-25
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) pode ser aplicada a relações entre casais homoafetivos compostos por homens e a mulheres travestis ou transexuais. Os ministros seguiram o voto do relator do caso, Alexandre de Moraes, que considerou que não estender a norma, que estabelece medidas para o combate à violência doméstica e familiar, pode gerar uma lacuna na proteção a esses grupos sociais. A decisão considera que o Congresso Nacional foi omisso ao não legislar sobre o tema.
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“A ausência de norma que estenda a proteção da Lei Maria da Penha aos casais homoafetivos masculinos e às mulheres transexuais e travestis tem inviabilizado a fruição de referido direito fundamental por este grupo social, considerada especialmente a proibição de proteção deficiente oriunda do princípio da proporcionalidade”, afirmou Moraes no voto.
A decisão foi referendada pelo colegiado com uma ressalva do ministro Cristiano Zanin. Nos casos envolvendo homens gays, ele defendeu que não sejam aplicadas sanções penais específicas da lei que pressupõem que a vítima seja do sexo feminino. A ressalva foi acompanhada por Edson Fachin e André Mendonça.
Congresso omisso
Os ministros do Supremo atenderam a pedido da Associação Brasileira de Famílias HomoTransAfetivas (Abrafh) que questionava a demora do Legislativo em aprovar uma lei específica contra a violência doméstica ou familiar que proteja homens gays e mulheres travestis e transexuais.
Hoje, há dois projetos de lei no Congresso que tratam da ampliação da Lei Maria da Penha – na Câmara, o PL 8.032/2014 e no Senado o PSL 191/2017, ambos travados. Para Moraes, não existe “qualquer dúvida da existência de omissão” dos parlamentares porque prevalece na jurisprudência do Supremo que a tramitação da matéria não afasta o reconhecimento de omissão inconstitucional.
“A comparação entre o consenso nacional e internacional sobre as medidas necessárias para a efetiva proteção contra violência doméstica nas relações homoafetivas da população GBTI+ e a legislação nacional demonstra a existência de significativa omissão constitucional do Poder Legislativo em efetivar a devida proteção legal aos direitos e liberdades fundamentais da comunidade GBTI+, cujos projetos de lei não obtiveram deliberação finalizada”, afirmou.
“Não me parece, portanto, existir qualquer dúvida da existência de omissão, caracterizadora do estado de mora constitucional”, completou.
Extensão da Maria da Penha
A Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, ampara vítimas de violência doméstica e garante a concessão de medidas protetivas de urgência e assistência às vítimas. A lei contempla pessoas que se identificam com o sexo feminino, sendo heterossexuais, homossexuais e mulheres transexuais, além também de prever proteção a homens em situação de violência doméstica.
No entanto, conforme destacou a Abrafh no pedido ao Supremo, há uma interpretação dominante nos tribunais de que a Lei Maria da Penha só é aplicável quando a vítima é mulher, deixando homens gay, bissexuais e transgêneros desprotegidos em casos de violência doméstica.
Moraes, no voto, considerou que “é possível estender a incidência da norma aos casais homoafetivos do sexo masculino, se estiverem presentes fatores contextuais que insiram o homem vítima da violência na posição de subalternidade dentro da relação”.
O ministro também destacou que considera a necessidade de proteção a homens gays e mulheres trans e travestis levando em contra a existência de práticas e discursos que reforçam preconceitos de gênero e perpetuam ideias machistas.
“Essa proteção aos casais homoafetivos do sexo masculino, bem como às mulheres transexuais ou travestis ganha especial relevo, tendo em vista que, não obstante os avanços legais e institucionais, verifica-se, ainda, a subsistência de um discurso e uma prática que tentam reduzir a mulher – e as pessoas que se identificam socialmente com o gênero feminino ou de alguma forma ocupam esse papel social – e naturalizar preconceitos de gênero existentes até os dias atuais, perpetuando uma crença estruturalmente machista, de herança histórica”, disse.
Segundo pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 2022, cerca de 14,2% da violência contra a população LGBTQIA+ se enquadrava em violência doméstica. Das vítimas, 43,8% tiveram a atribuição de identidade como mulheres lésbicas, 37,5% como mulheres trans e 12,5% como homens gays.
A ação foi analisada no Mandado de Injunção (MI) 7452, em sessão virtual encerrada na última sexta-feira (21/2).