A dispensa do relatório nas sentenças cíveis de até 40 salários mínimos
JOTA.Info 2025-04-18
A Lei 9.099/95, em seu art. 38, dispensa o relatório nas sentenças proferidas perante o Juizado Especial Cível. Essa previsão decorre da própria funcionalidade desse microssistema, criado pela Constituição Federal de 1988, que tem como uma de suas excludentes de competência a complexidade da controvérsia, conforme art. 98, I, da CRFB.
O Projeto de Lei 1.364/2024, atualmente em trâmite na Câmara dos Deputados, propõe a alteração do art. 489 do Código de Processo Civil para dispensar o relatório nas sentenças cíveis proferidas na justiça comum, em causas que não excedam quarenta vezes o salário mínimo nacional.
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A atual redação do art. 489 do CPC define como elementos essenciais da sentença o relatório, os fundamentos — nos quais são analisadas as questões de fato e de direito — e o dispositivo, que resolve as questões submetidas pelas partes.
A doutrina equipara o relatório a um espelho de todos os atos processuais relevantes praticados ao longo do processo:
“O relatório é o espelho de todos os atos processuais relevantes praticados no curso do processo, quer pelas partes, quer pelo Juiz. A simples leitura do relatório, por qualquer pessoa, deve levá-la à exata compreensão de todo o processado. O relatório é a história do processo, por isso a narrativa, devendo ser usado o verbo sempre na impessoalidade e no passado. O relatório é elemento moral, porque serve para demonstrar que o julgador leu o processo e fixou-lhe as circunstâncias capitais. (…) Ainda, a sentença poderá conter mais de um relatório, dependendo do número de ações conexas ou contínuas, relembrando que o relatório é imparcial e fiel aos atos do processo.” (CELEGATTO, Mario Augusto Quinteiro; JORGE, Mario Helton. Manual teórico e prático da sentença cível. 4. ed. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2022, p. 62-63).
O relatório tem a função de ato preparatório do julgamento, permitindo que fiquem evidenciadas tanto as questões impertinentes ao objeto da causa quanto aquelas sobre as quais o juiz deve se manifestar na fundamentação. Assim, ele estrutura as matérias de fato e de direito relevantes para a cognição judicial.
Uma sentença pode conter erro de julgamento, caracterizado pela aplicação incorreta da norma ao caso concreto. Entretanto, a ausência de um dos elementos essenciais da decisão configura erro de procedimento, podendo gerar nulidade absoluta.
Diante disso, como a mudança legislativa proposta poderia impactar a efetividade da prestação jurisdicional e a segurança jurídica?
A justificativa do PL 1364/2024 argumenta que a alteração atenderia aos princípios processuais da eficiência, celeridade, economia e duração razoável do processo. O texto legislativo sustenta que:
“Há, nos mais variados foros deste Brasil, um volume assustador de ações judiciais. Por outro lado, muito se tem falado sobre a simplificação da linguagem judicial (despachos, decisões, sentenças e acórdãos em linguagem simples, de fácil compreensão); porém, ninguém se atentou para a burocracia do nosso Código de Processo Civil, quando dispõe que toda sentença deve contar relatório, fundamentação e dispositivo (art. 489, incisos I, II e III)”.
Todavia, a dispensa do relatório nas sentenças de menor valor econômico (até 40 salários mínimos) desconsidera que demandas de grande complexidade podem apresentar valor inferior a esse patamar.
Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal (STF) já manifestou entendimento relevante. O ministro Marco Aurélio, ao analisar pedido de excludente de competência dos Juizados Especiais, destacou que a complexidade da controvérsia deve ser aferida com base na causa de pedir e na defesa da parte acionada:
“A excludente da competência dos juizados especiais – complexidade da controvérsia (art. 98 da CF) – há de ser sopesada em face das causas de pedir constantes da inicial, observando-se, em passo seguinte, a defesa apresentada pela parte acionada. Ante as balizas objetivas do conflito de interesses, a direcionarem a indagação técnico-pericial, surge complexidade a afastar a competência dos juizados especiais” (RE 537.427, rel. ministro Marco Aurélio, j. 14-4-2011, P, DJE de 17-8-2011).
O art. 489, I, do CPC materializa o princípio da fundamentação das decisões judiciais, previsto no art. 93, IX, da CRFB/88. O relatório, ao conter os fatos alegados, possibilita uma fundamentação mais consistente, facilitando a compreensão das partes sobre o raciocínio jurídico da decisão e reduzindo o risco de nulidade ou reforma da sentença.
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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforça essa importância ao afirmar que:
“Ofende os arts. 489 e 1.022 do CPC/2015 acórdão que, a despeito da oposição de embargos de declaração, não examina matéria essencial ao deslinde da controvérsia” (AgInt no AREsp 1.212.965/SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 1.6.2020, DJe de 5.6.2020).
A exclusão do relatório pode comprometer o direito à ampla defesa, dificultar o controle das decisões pelos tribunais superiores, aumentar a litigiosidade e prolongar a tramitação dos processos. Consequentemente, a medida proposta pelo PL 1364/2024 pode, paradoxalmente, reduzir a eficiência da prestação jurisdicional e fragilizar a segurança jurídica.