O questionável Fundo de Recuperação e Estabilização Fiscal do Paraná
JOTA.Info 2023-04-19
O Convênio ICMS 42, celebrado em maio de 2016 pelos 26 Estados e pelo Distrito Federal, autorizou os estados a instituir Fundos de Equilíbrio Fiscal com recursos provenientes (i) do condicionamento da fruição de incentivos e benefícios fiscais, financeiro-fiscais ou financeiros ao depósito de valor equivalente a, no mínimo, dez por cento do respectivo incentivo ou benefício ou; (ii) da redução dos referidos benefícios em, no mínimo, dez por cento.
Nos termos do mencionado Convênio, os recursos arrecadados com esses fundos devem ser destinados ao desenvolvimento econômico e ou à manutenção do equilíbrio das finanças públicas estaduais e distrital.
Passados mais de seis anos da instituição do Convênio ICMS 42, seguem surgindo discussões a respeito da constitucionalidade dos fundos de equilíbrio fiscal instituídos com fundamento nessa norma.
A título de exemplo, podemos citar o caso do Paraná, com a instituição do Fundo de Recuperação e Estabilização Fiscal do Paraná (Funrep), por meio do art. 11, § 5º da Lei Complementar 231/2020 combinado com o Decreto 9.810/2021. Nesse caso, o valor devia ao fundo seria apurado com a aplicação do percentual de 12% sobre os incentivos ou benefícios fiscais que resultem em renúncia de receita.
Inicialmente, a cobrança do Funrep seria a partir de 1º/4/2022. Porém, passou por diversos adiamentos e, atualmente, de acordo com o Decreto 626/2023, passará a entrar em vigor em 1º/6/2023.
Trata-se de uma reação ao cenário de recessão econômica presente no estado e uma possibilidade de superar o desequilíbrio fiscal, bem como uma forma de prover recursos para situações de calamidade pública naquele estado.
As contribuições ao Funrep atingem os benefícios fiscais concedidos a diversos ramos do agronegócio, tais como amendoim, arroz, amido, biodiesel, laticínios, carne, entre outros.
Ocorre que essa exigência afronta a Constituição Federal, assim como no caso de outros fundos instituídos com base no Convênio ICMS 42/2016. Não por caso, já foram ajuizadas várias ações judiciais questionando-os.
Dentre os principais vícios que atingem os fundos estatais, está o fato de se caracterizarem como verdadeiros tributos, com sujeito ativo, passivo e fato gerador bem definidos pelos diplomas que os estabelecem. Entretanto, não há previsão constitucional para a instituição de impostos estaduais além daqueles já especificados na Constituição Federal. Além disso, é preciso ter em mente que a chamada competência tributária residual está restrita à União, nos termos do artigo 154 da Carta Maior. Com frequência, também se verifica a inobservância do princípio da anterioridade, tanto anual quanto nonagesimal, na instituição desses fundos.
Não fosse o bastante, os estados muitas vezes ignoram o fato de os benefícios fiscais limitados pelos respectivos fundos terem sido concedidos mediante condições onerosas, não podendo ser livremente suprimidos, conforme a Súmula 544, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Há ainda algumas especificidades das legislações de cada estado que também dão margem a questionamento, como por exemplo (i) a previsão de ressarcimento dos montantes arrecadados pelo fundo aos contribuintes, em clara aproximação da roupagem de um empréstimo compulsório, modalidade de tributo fora da competência dos estados; (ii) o condicionamento da manutenção dos benefícios fiscais à inexistência de discussão judicial quanto à validade do fundo pelo contribuinte, dentre outras.
Há inclusive uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5635) movida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) que discute especificamente o fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal do Estado do Rio de Janeiro, e que voltou a ser analisada pelo STF por meio de julgamento virtual no último dia 17 de março.
Já havia sido proferido voto pela constitucionalidade do fundo pelo relator, ministro Luís Roberto Barroso, mas com a volta do caso para julgamento foi inaugurada a divergência (pela inconstitucionalidade do fundo) pelo ministro André Mendonça.
Entretanto, após o voto do ministro Mendonça, o relator pediu destaque. Com isso, fica interrompido o julgamento virtual e o tema deverá ser levado para a sessão presencial, quando o julgamento será reiniciado.
Muito embora essa ADI verse sobre um fundo fluminense, com características próprias, muitos dos argumentos abordados nessa ação se assemelham aos vícios de inconstitucionalidade identificados nos diplomas legais editados por outros estados, de modo que sua definição será um importante balizador jurisprudencial. Já se tem notícias de precedentes em alguns estados, inclusive no próprio Paraná, afastando a exigência.
Diante de todas as inconstitucionalidades que acometem as normas instituidoras do fundos, como é o do Funrep, os contribuintes que estão sujeitos a esse pagamento podem avaliar possíveis medidas judiciais objetivando afastar tal exigência e, até mesmo, ver restituídos os valores porventura já recolhidos.