STF poderá proibir demissão sem justa causa?
Consultor Jurídico 2023-01-12
Ao apagar das luzes de 2022, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, editou a Emenda Regimental 58/22 e, desta forma, ministro que pedir vista de autos deverá apresentá-los em 90 dias, caso contrário, o processo é automaticamente liberado para votação.
A nova regra possibilitará que alguns temas que estão tramitando há vários anos no país retornem ao centro de pauta. Este é o caso do julgamento que se arrasta há cerca de 25 anos e trata da saída do Brasil, por decreto, de um tratado que vetava as demissões de empregados sem uma justificativa.
Na prática, a decisão do STF tratará, primeiramente, se um ato do Poder Executivo pode, por si só, afastar a vigência de uma Convenção da OIT que foi devidamente aprovada pelo Congresso Nacional. E, como pano de fundo, ou tema secundário, sobre o retorno à validade daquilo que está previsto na Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Se prevalecer o entendimento de que o presidente da República pode denunciar aos termos da Convenção da OIT, o tema está encerrado, não havendo o que se discutir sobre justificativa para a dispensa dos empregados.
No entanto, se for julgado procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1625 e, logo, improcedente o ADC 39 que trata do mesmo tema (validade ou não do Decreto 2.100/1996), a Convenção 158 voltará a ter validade no ordenamento jurídico brasileiro.
Mas qual o impacto disso (o que a Convenção da OIT, entre outros temas, prevê)?
- O empregador não poderá demitir seus empregados sem uma justificativa. Atualmente, os empregados que não têm estabilidade podem ser demitidos sem qualquer justificativa, basta que o empregador avise o empregado que o contrato de trabalho está sendo rescindido e que os direitos trabalhistas serão pagos, nos termos da lei;
- Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento, ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço;
- Não deverá ser terminada a relação de trabalho de um trabalhador por motivo relacionados com seu comportamento ou seu desempenho antes de se dar ao mesmo a possibilidade de se defender das acusações feitas contra ele, a menos que não seja possível pedir ao empregador, razoavelmente, que lhe conceda essa possibilidade;
- O trabalhador que considerar injustificado o término de sua relação de trabalho terá o direito de recorrer contra o empregador perante um organismo neutro, como, por exemplo, um tribunal, um tribunal do trabalho, uma junta de arbitragem ou um árbitro;
- Caberá ao empregador o peso da prova da existência de uma causa justificada para o término;
- Quando forem alegadas, para o término da relação de trabalho, razões baseadas em necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço, os organismos mencionados no item 4 acima estarão habilitados para verificar se o término foi devido realmente a essas razões, mas, também, se tais razões seriam suficientes para justificar o término do contrato de trabalho;
- Se os organismos mencionados no item 4 acima chegarem à conclusão de que o término da relação de trabalho é injustificado e se, em virtude da legislação e prática nacionais, esses organismos não estiverem habilitados ou não considerarem possível, devido às circunstâncias, anular o término e, eventualmente, ordenar ou propor a readmissão do trabalhador, terão a faculdade de ordenar o pagamento de uma indenização adequada ou outra reparação que for considerada apropriada.
Desta forma, a decisão do STF pode trazer ao debate alguns impactos nos contratos de trabalho e na forma pela qual os empresários poderão gerir suas empresas.
Impedir que o empregador possa demitir seus empregados, ainda que pague a indenização correspondente, nos termos da lei vigente, trata-se de uma ingerência direta na ordem econômica, na livre iniciativa, propriedade privada, livre concorrência (artigo 170, CF). Desta forma, entende-se que é inconstitucional.
É, sem sombra de dúvida, um tema muito sensível e que deve ser muito bem avaliado pelos ministros do STF. Mas, de qualquer forma, superados resultados das ações ADI 1625 e ADC 39, vale voltar a atenção para interpretações sobre a autoaplicabilidade da Convenção 158 da OIT. E, neste assunto, há forte corrente entendendo que não é autoaplicável a Convenção citada.
O STF, por decisão datada de 4 de setembro de 1997, julgando liminarmente o processo ADI 1.480-3, de relatoria do ministro Celso de Mello, fixou como tese majoritária que as normas da Convenção 158 da OIT trazem caráter meramente programático, não autoaplicáveis. Em seu voto, o ministro ainda destacou que, não sendo um texto normativo de aplicabilidade imediata, limita-se a Convenção a estabelecer diretrizes, muitas das quais já incorporadas ao sistema jurídico vigente, constituindo-se, na realidade, uma fonte jurídica de princípios gerais, um verdadeiro compromisso de legislar assumido pelo Brasil.
Portanto, longe de importar em uma alteração avassaladora nos contratos de trabalho, a aplicabilidade da Convenção 158 da OIT precisará, ao que parece, ser objeto de estudos mais aprofundados, para então ser submetida a um processo legislativo e depois ser aplicável às relações entre empregadores e empregados.
Devemos ainda lançar os olhos para o artigo 7º, I, da CF que prevê a necessidade de Lei Complementar para tratar da despedida arbitrária ou sem justa causa, e, na ausência desta, a proteção dispensada ao empregado demitido é o pagamento da indenização de 40% sobre o saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e das demais verbas rescisórias (neste sentido, inclusive, o voto do ministro Moreira Alves, nos autos RE 179.193-PE).
Em resumo, a conclusão das ações ADI 1625 e ADC 39 ainda é incerta. De qualquer forma, para preservar o mínimo da segurança jurídica para o futuro, seria prudente a aplicação do efeito modulatório ao acórdão que será publicado em definitivo. Assim, preservaria o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o que se produziu ao longo dos 25 anos de andamento da ADI 1625.
Quanto à validade da Convenção 158 da OIT, superada a questão da constitucionalidade ou não do Decreto citado, é sustentável que o STF já tenha colocado uma pá de cal no tema. Isso porque, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1480-3, firmou-se entendimento de que se trata de norma de caráter programático, bem como que o artigo 7º, I, da CF, que se refere à proteção à despedida arbitrária, necessita ser regulado por Lei Complementar.